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São Paulo, 27/04/2025 - A palavra "luto" vem do latim luctus, que significa dor, mágoa, lástima, chorar pela perda de alguém. Essa palavra carrega um turbilhão de emoções para quem perde um ente querido, e o modo como essa sensação é vivida é culturalmente distinta. No Ocidente, as pessoas costumam se expressar de maneira mais individualista. Já no Oriente, principalmente os japoneses e os chineses, valorizam o respeito aos rituais.
No Ocidente, as pessoas tendem a ver a morte como um fim, enquanto no Oriente é encarada como uma transição, na qual homenagens e cultos aos antepassados reforçam o vínculo com os mortos. Independente de estar de um lado ou outro do nascer do sol, o fato é que cada pessoa procura encontrar maneiras de lidar com o sentimento de perda para tentar minimizar a dor.
De acordo com Luciana Mazorra, doutora em psicologia clínica e estudiosa desse período que requer sensibilidade e determinação, o luto nem sempre está relacionado somente a morte. É o processo psíquico de elaboração de uma perda significativa. Ele também é vivenciado, por exemplo, em decorrência de separações, perda de emprego, aposentadoria, adoecimento grave, perda de um membro do corpo ou função corporal e, ainda, de mudança de país ou cidade.
Mazorra explica que o luto não contempla fases estanques, mas um processo singular para cada enlutado, não havendo uma sequência de fases a ser seguida. De acordo com ela, o “Modelo do Processo Dual do Luto”, dos pesquisadores holandeses Henk Schut e Margaret Stroebe, é entendido como pendular entre o movimento de enfrentamento da vida e da perda.
Há momentos em que o enlutado se volta para a perda, entrando em contato com lembranças do ente querido ou do que foi perdido, e outros em que ele se volta para a restauração, lidando com os desafios de seguir a vida sem a pessoa perdida ou o que perdeu. Esse movimento permite a elaboração do luto.
A profissional ressalta que a perda de um ente querido provoca a ruptura do mundo presumido, levando a pessoa a refletir sobre ela e o mundo diante desta perda. Trata-se de um processo doloroso e desafiador. Do ponto de vista da neurociência, o cérebro precisará processar repetidamente a experiência da ausência para aceitar a realidade da perda. “Nosso ímpeto será reaver o que foi perdido lutando contra essa dura realidade. A experiência repetida desta nova realidade nos mostra que ela é irreversível e contribui para o processo de aceitação”, explica.
Sonia Consiglio, jornalista e referência nacional e internacional em sustentabilidade/ESG, perdeu seu ex-marido e “companheiro de alma”, Elmo, de forma repentina. Ela corrobora com a psicóloga sobre a necessidade de “ensinar” ao cérebro que a pessoa não está mais aqui.
Entre vários livros que leu no período de luto, Consiglio cita “Cérebro de Luto", que explica do ponto de vista fisiológico o que acontece com o cérebro quando se perde alguém. "Ele não entende como uma pessoa muito importante da sua vida some de um dia para o outro. O cérebro só vai entender isso com o tempo, com novos estímulos que você traz, novas pessoas, novas rotinas que passa a ter. Ele está seguindo a programação de uma vida inteira e isso é alentador, porque muitas vezes você acha que está pirando porque quer ligar para uma pessoa que já partiu”, desabafa.
Consiglio destaca as frases ditas por pessoas, na melhor das intenções, para ajudar no momento difícil. Segundo ela, frases do tipo: "você é tão jovem, vai encontrar outra pessoa" ou "ele não quer te ver triste", não ajudam e, muitas vezes, são entendidas como cobrança. "Você conclui que ninguém te entende e se fecha ainda mais", diz. Uma mensagem que pode ser melhor recebida, em seu entender, é "se precisar, estou aqui".
Consiglio perdeu o ex-marido em 2023. Eles estavam separados há dois anos, após trinta casados. “Éramos muito próximos. Tínhamos chegado à conclusão de que nessa vida não era mais para sermos marido e mulher. Mas ele é meu "companheiro de alma", é assim que eu chamo o Elmo. Entre as analogias que faz sobre a morte, ela diz tratar-se de uma visitante que entra sem bater e invade a casa das pessoas. "No começo, ela se senta no sofá da sala principal e fica ali. Aos poucos você consegue fazer com que vá para o quarto de hóspede, fique na dispensa...Você começa a lidar com a dor de outra forma, mas ela é determinante para o resto da sua vida. Inclusive, os momentos de alegria são permeados pela dor. Nunca mais eu sorri de um jeito pleno”, revela.
Ela ressalta que o apoio da família, principalmente do irmão e da irmã, foi fundamental para lidar com a dor da perda. “Comecei a ler muito sobre luto. Jornalista, um livro leva a outro e li 24”. Após uma conversa com a sua editora, ela já havia lançado um livro sobre sustentabilidade, decidiu compartilhar por meio do livro "#sobrevivi - O que li, aprendi e vivi no meu luto”, sua dor e as informações que teve acesso com as leituras. “O livro nasceu como uma homenagem para o Elmo e se tornou um apoio para mim e para outras pessoas. O fato de eu ter definido fazer um novo livro me fez estabelecer uma meta, e isso também ajudou no luto. Acho que a pessoa que passa por isso tem que fazer algo que ela goste, algo que faça sentido e que possa ajudar nessa fase”.
O luto não tem idade e nem gênero, todo mundo, em algum momento, vai passar por essa difícil realidade. E, ao contrário do que algumas pessoas possam pensar, homens sofrem e choram tanto quanto mulheres. Rafael Stein, 47 anos, pai da Maria Clara e do Francisco, palestrante, escritor e empresário, perdeu sua esposa, Micaela, para o câncer, e teve que aprender a lidar com a rotina, cuidar das crianças, da casa, do trabalho, tudo ao mesmo tempo.
“Nos primeiros dias, senti um turbilhão de emoções: choque, incredulidade, medo, raiva, tristeza... A vida parecia ter perdido o sentido. Me senti sobrecarregado, exausto e completamente perdido. A sensação era de estar em um barco à deriva, sem saber para onde ir. E a palavra que resume é inadequação. Era como se eu estivesse vivendo uma cena de terremoto, onde não sabia o que fazer e nem para onde ir”, desabafa.
Além da dor de ver a pessoa amada doente até o dia da sua partida, Stein lembra como as questões burocráticas também contribuíram para deixar o momento ainda mais tenso. "As burocracias foram um pesadelo. Exames, consultas, internações, contas... Tudo se acumulou em um momento de fragilidade. Tive que aprender a lidar com planos de saúde, hospitais e leis que desconhecia. Felizmente, contei com a ajuda de familiares, que me auxiliaram nesse processo. Mas a burocracia, por si só, já é um peso enorme, e se torna ainda maior quando você está lidando com a dor da perda. Não consegui lidar com os tramites e todas as tarefas que chegam com a morte."
Além desses sentimentos, ele também precisou aprender a lidar com a própria emoção e com a dificuldade que tinha para expressar seus sentimentos. "Sim, tive muita dificuldade. A sociedade nos ensina que homens não devem chorar, que precisam ser fortes e provedores. Tive medo de demonstrar fraqueza, de não ser capaz de cuidar dos meus filhos. Por muito tempo, guardei a dor para mim, sufocando as emoções. Mas, com o tempo, percebi que essa atitude só me fazia mal."
Outro desafio que o enlutado precisou encarar foi o afastamento dos amigos homens, que o fizeram se sentir ainda mais sozinho “A terapia e os grupos de apoio foram muito importantes, pois me permitiram expressar meus sentimentos e me conectar com outras pessoas que estavam passando por situações semelhantes. Além disso, encontrei conforto na escrita, nos livros e na fé, mesmo que, por vezes, ela parecesse distante."
Stein também desenvolveu outros rituais para tentar superar a ausência diária, como conversar com Micaela, como se ainda estivesse aqui, compartilhando seus medos e alegrias durante o preparo do café, ainda de madrugada, antes das crianças acordarem para ir para a escola.
"Recomeçar foi um processo lento e doloroso. Me senti perdido, sobrecarregado e completamente inadequado. Mas, com o tempo, fui me adaptando à nova realidade e descobrindo novas formas de viver e amar. Aprendi a valorizar as pequenas coisas, a me conectar com meus filhos e a encontrar um novo propósito na vida”, conclui.
A psicóloga Luciana Mazorra se juntou com mais duas amigas para escrever o livro "Caminhos para lidar com o luto por viuvez" que será lançado no dia 7 de maio, na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis, em São Paulo;
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