São Paulo, 15/11/2025 - Quem viajou de avião nos últimos anos viu as companhias aéreas tendo cada vez mais liberdade para oferecer bilhetes com cobranças diferenciadas para a mala despachada e, mais recentemente, até mesmo a bagagem levada a bordo. Mas um projeto de lei está prestes a reverter essa situação.
O texto,
já aprovado pela Câmara dos Deputados, garante que cada passageiro possa
despachar uma mala de até 23 kg sem custo adicional, tanto em voos nacionais como internacionais. Em trechos domésticos, também será proibido cobrar pelo transporte de um item de bagagem de mão de até 12 kg, conforme a proposta.
Esse movimento do Poder Legislativo veio como uma resposta aos consumidores, insatisfeitos com bilhetes cada vez mais restritivos e, pior, sem a esperada contrapartida de preços mais baixos. Caso o texto seja mantido pelo Senado e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os passageiros poderão, ainda, fazer a marcação de assento na aeronave sem pagar por isso.
Outra mudança será o fim do cancelamento automático do trecho de volta quando o consumidor deixa de embarcar no voo de ida, como ocorre hoje.
Mas, se a promessa no passado era de que menos benefícios possibilitariam tarifas mais baratas, será que impor coberturas obrigatórias pode ter o efeito inverso, fazendo os preços subirem ainda mais? O Viva conversou com especialistas para entender como essas mudanças poderão impactar a experiência dos passageiros, dos valores cobrados pelas companhias aéreas à qualidade do serviço prestado.
O que muda na vida dos passageiros?
Caso o PL seja sancionado pelo presidente Lula, o consumidor passa a ter direitos garantidos por lei, com força maior que a de resoluções administrativas. O texto prevê:
- Despachar gratuitamente uma mala de 23 kg;
- Levar na cabine uma bagagem de mão de até 12 kg e mais um item pessoal (bolsa ou mochila);
- Além disso, na reserva ou no check-in, escolher um assento comum sem pagar por isso - a cobrança será possível apenas sobre os chamados "assentos conforto", mais espaçosos.
“Esses pontos reduzem práticas consideradas abusivas e tiram do passageiro o medo da cobrança surpresa no portão de embarque”, afirma o advogado Marco Antonio Araújo Júnior, que preside a Comissão Especial de Direito do Turismo, Mídia e Entretenimento do Conselho Federal da OAB.
Ao mesmo tempo, haverá um efeito colateral: com a proibição da cobrança de taxas pelas malas, o volume de bagagem levado pelos passageiros vai aumentar drasticamente. “Quanto mais bagagem, maior o tempo em solo e maior o custo da operação. Isso exige mais tempo de carregamento e descarga, pode gerar atrasos e pressiona os custos operacionais das companhias”, acrescenta Araújo.
Os preços das passagens vão subir?
Em um primeiro momento, a tendência é que sim, e por duas razões. Uma, já apontada acima, é a elevação de custos causada pelo aumento na quantidade e peso de volumes embarcados e transportados.
Outro impacto financeiro que as aéreas sentirão é justamente o fim da receita que elas até então ganhavam cobrando para transportar as malas. “Elas ganharão menos dinheiro vendendo bagagens despachadas. E repassarão esse prejuízo para todo mundo, diluindo-o nas passagens de todos. Assim, ficaremos com tarifas ainda mais caras”, prevê Rodrigo Alvim, advogado especialista em direitos dos passageiros aéreos.
Regras para voos domésticos e internacionais
Se o texto passar sem alterações, haverá uma diferença em relação ao transporte da bagagem de mão. Isso porque o projeto impõe o transporte sem custo em voos domésticos, mas não nos internacionais. O que dá uma brecha para que, nesses últimos, ainda existam tarifas em que a bagagem de mão seja cobrada à parte.
Para Araújo, um cenário como esse traz pouca clareza, penalizando o consumidor pela complexidade e aumentando o risco de questionamentos na Justiça. “Nesse cenário, o passageiro pagaria bagagem em um trecho e teria gratuidade no outro. Regras diferentes para rotas diferentes criam insegurança jurídica e afastam o princípio da transparência. O consumidor tem direito a saber exatamente o que está contratando”, justifica.
Alvim defende que levar bagagem de mão sem custo adicional é um direito básico de todo passageiro; já mala despachada, não.
Nem todo mundo viaja com uma mala despachada. Não acredito que seja essencial que todos tenham direito a despachar mala sem custo. Se você quer levar mais coisas, o normal é que você pague a mais, não é? Isso ocorre porque você está ocupando um espaço em uma aeronave que obtém a maior parte de sua receita transportando carga e não pessoas”, pondera o advogado.
As novas mudanças são boas para o mercado?
Se, por um lado, o projeto de lei se empenha em proteger o passageiro, por outro é incompleto em relação à sustentabilidade do setor, explica Araújo. “O projeto atende ao consumidor, mas não apresenta mecanismos de equilíbrio econômico. Não há previsão de indicadores de eficiência, transparência tarifária obrigatória ou acompanhamento de custos pela ANAC. Ou seja, o risco é a companhia aérea jogar o custo de volta na tarifa. Direito sem viabilidade econômica vira fraude regulatória: a regra existe, mas é compensada por outro lado”, alerta o especialista.
Outro grande problema das novas regras é que, ao impor coberturas obrigatórias, elas acabam tornando impossível a operação no País de companhias aéreas do tipo low cost. Para oferecer passagens a preços realmente baixos, essas empresas precisam ter flexibilidade para desenhar suas tarifas, enxugando ao máximo o que é oferecido no bilhete básico e cobrando à parte por serviços adicionais. É justamente isso o que está sendo tirado das aéreas com as mudanças na legislação.
“Quando a lei determina que a bagagem deve ser incluída [sem custo extra], ela uniformiza o modelo de negócios, reduz a competitividade e desestimula a entrada de novas empresas. É difícil atrair companhias low cost para um mercado em que a tarifa vem com serviços embutidos por obrigação legal”, explica o presidente da comissão de turismo da OAB.
A consequência disso é que, sem a possibilidade de ter novos entrantes, o mercado brasileiro de aviação continuará nas mãos dos três grandes players que hoje dominam o mercado, sem concorrentes que os pressionem a reduzir seus preços. “O Brasil já tem um mercado oligopolizado, e amarrar o modelo tarifário tende a preservar o status quo [a realidade atual]. A concorrência não nasce por decreto. Ela nasce quando o ambiente regulatório permite inovação no modelo comercial”, conclui Araújo.