Foto: Reprodução/Instagram/@donamariagameplays/@rinomagnoni
Publicado em 16/11/2025, às 16h29
São Paulo, 13/11/2025 - “É tudo para mim”, responde Maria de Lourdes Souza, de 74 anos, ao ser questionada sobre o que gravar vídeos jogando online com seus seguidores significa em sua vida. Conhecida como “Vovó Gamer”, ela reúne quase 1 milhão de seguidores no TikTok e faz lives duas vezes por dia, de segunda a sábado.
A carreira de criadora de conteúdo começou após ela perder o emprego durante a pandemia, em 2020. “Comecei a gravar vídeos de receitas para o YouTube nesse período, mas não deu muito certo”, conta Maria. Quem a ajudou a começar foi o filho Lucas, com quem mora em Ilha Solteira, no interior de São Paulo.
Os games surgiram como uma brincadeira, já que, segundo ela, não sabe jogar, mas se diverte enquanto o faz. Com o “boom” do TikTok em 2022, seus conteúdos com jogos viralizaram e ela passou a ser conhecida nas redes, conquistando fãs fiéis. Hoje, aposentada, Maria dedica sua rotina às lives e gravações, mas também reserva tempo para o lazer, como sessões de hidromassagem semanais.
@donamariagameplays A fome 😂 #robloxfyp #robloxgames #99noitesnafloresta #Games ♬ som original - Dona Maria Gameplays
Maria faz parte de um público crescente que consome e cria conteúdos nas redes sociais. O estudo "Digital 2023 Brazil" da DataReportal aponta que, somente o TikTok, obteve um crescimento de mais de 500% na presença de criadores 50+ entre 2020 e 2023. Em evento do Esfera Brasil, em julho, a diretora de Soluções de Negócios Globais do TikTok para a América Latina, Gabriela Comazzetto, apontou que cada vez mais pessoas mais velhas — especialmente acima dos 80 anos — têm se cadastrado na plataforma, permanecendo em média 1h30 por dia navegando ou postando.
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A tendência acompanha o aumento do número de pessoas com mais de 60 anos que acessam a internet. Dados de 2024 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 24,5 milhões de brasileiros nessa faixa etária usam a internet todos os dias. Embora seja o menor grupo etário online, é o que mais cresceu desde 2016.
A busca por acessar e produzir conteúdo é motivada principalmente pela diversão entre a geração baby boomer — pessoas com idades entre 61 e 79 anos. Um estudo sobre comportamento transgeracional no TikTok, realizado pela Box1824 em 2024, aponta que 43% desse grupo afirmam consumir conteúdo de entretenimento na plataforma — percentual próximo ao da geração Z, com 49%.
Esse foi o motivo que levou Rino Magnoni, 67 anos, a começar a produzir vídeos nas redes sociais. Hoje, ele grava conteúdos sobre suas corridas, mas começou em 2022, no aniversário de 97 anos de sua mãe, quando o goleiro do Palmeiras, Weverton, enviou um vídeo de parabéns e a família registrou as reações durante a festa. “Esse vídeo teve 200 mil visualizações”, relembra.
No TikTok, o engenheiro civil soma 74 mil seguidores e mais de 1 milhão de curtidas. Assim como a Vovó Gamer, Rino conta com a ajuda da filha, Roberta, que o auxilia com roteiros e gravações, quase como uma gerente rígida, segundo ele — mas é o próprio corredor quem faz todas as edições.
Antes disso, Rino não usava Instagram, Facebook ou Twitter. Após a viralização dos primeiros vídeos, decidiu continuar criando conteúdo. As reações aos jogos do Palmeiras — grande paixão da família — se tornaram vídeos frequentes, e, em seguida, as corridas passaram a integrar a programação semanal do perfil.
@rinomagnoni São Silvestre 2023! Bora preguiça! Vamos correr! #running #corrida #corridaderua #corredor #saosilvestre #saosilvestre2023 ♬ som original - Rino Magnoni
A professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Issaaf Karhawi, revela o termo usado para classificar pessoas com mais de 60 anos que produzem conteúdo nas redes sociais: “grandinfluencers”, junção de “grand” (avô/avó, em inglês) e “influencer”.
Em estudos, o termo se refere principalmente a mulheres mais velhas que produzem quadros de “look do dia”, antes dominados por criadoras mais jovens. Frente a isso, Issaaf ressalta que a fronteira entre “conteúdo de jovens” e “conteúdo de idosos” está cada vez mais distante.
“Não deve ser um espanto pensar em influenciadores com mais de 50 anos. Cada vez mais pessoas nessa faixa etária permanecem ativas no mercado de trabalho — e também no de criação de conteúdo”, destaca.
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A sócia-fundadora do instituto de pesquisas Data8, especializado no público acima dos 50 anos, Cléa Klouri, avalia que o mercado de criação de conteúdo por pessoas mais velhas tem um futuro promissor e grande potencial de crescimento. Para ela, a longevidade, o desejo de compartilhar experiências e a busca por conexão impulsionam esse movimento.
“Quando se trata das gerações mais velhas, há também o fator da solidão, que é algo delicado. É aí que entra a saúde social — e as redes sociais possibilitam isso de forma acessível”, observa Cléa.
A líder de relacionamento com a comunidade de criadores do TikTok, Priscila Harumi, aponta que a internet é vista hoje como uma ferramenta essencial para a vida cotidiana, algo que não se restringe apenas aos jovens. Ela ressalta que o TikTok pode permitir encontrar uma rede afetiva e, por isso, “os mais velhos se sentem mais livres para se expressar”.
Para além da sociabilidade, Cléa destaca que, principalmente o TikTok, deixou de ser apenas uma plataforma de entretenimento e “dancinhas” para se tornar também um espaço de expansão profissional.
“Vemos isso claramente em nossas pesquisas. As pessoas perceberam que não precisam ter apenas um perfil de influenciador, mas um perfil que permita vender produtos ou divulgar o próprio trabalho”, explica.
Foi esse trabalho, misturado com diversão que levou Maria de Lourdes e Rino a lugares que antes não imaginavam. Em 2022, a Vovó Gamer veio a São Paulo participar de uma competição de jogos eletrônicos a convite do próprio TikTok, ficando em segundo lugar — uma das conquistas que se orgulha até hoje.
Já Rino foi sorteado para correr 10 km durante as Olimpíadas de Paris, ao lado da filha, momento que também registrou em seu perfil. Hoje, participa de corridas famosas, como a São Silvestre, e também de eventos organizados por academias e empresas.
Apesar das ótimas experiências que a carreira de influenciador pode resultar, as oportunidades de parcerias ainda são pequenas. Questionada se recebeu patrocínio para montar seu primeiro “setup gamer”, a configuração de equipamentos para jogar, a Vovó Gamer responde que não: tudo foi comprado com recursos próprios.
Rino, por outro lado, tem parcerias com marcas de vestuário esportivo e alimentação fitness, em troca de conteúdos de divulgação em suas redes. Todas as propostas partiram das próprias marcas, e ele afirma não se preocupar em buscar novos patrocínios. Mas, apesar das parcerias, Rino observa que as marcas esportivas ainda priorizam influenciadores jovens.
“A gente não vende, né? Então não procuram a gente por outros motivos. Ainda mais um tiozinho como eu”, brinca.
Cléa Klouri nota uma diferença significativa no tratamento dado a criadores jovens e idosos. Segundo ela, embora o mercado reconheça os influenciadores mais velhos, ainda não compreende que eles devem ser remunerados de forma justa.
“Perfis menores de criadores mais velhos, mesmo com alto engajamento, costumam ser pagos de forma muito baixa, o que impede que vivam disso. Já influenciadores jovens muitas vezes ganham valores altos”, observa.
Ela acrescenta que o ritmo de trabalho também difere: criadores jovens produzem várias entregas por semana, com gravações e edições intensas — algo inviável para muitos influenciadores mais velhos.
Issaaf complementa que o mercado publicitário sempre associou juventude ao sucesso e ao auge da vida, focando campanhas em jovens de 20 e poucos anos.
No entanto, essa visão está mudando. “Com o aumento da longevidade e a melhora na qualidade de vida, pessoas com mais de 50 anos permanecem ativas profissionalmente e poderão se tornar cada vez mais um público de interesse para as marcas”, conclui.
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