Foto: FELIX AVERBUG/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Por Daniela Amorim, Juliana Garçon, Laís Adriana e Célia Froufe, enviadas especiais do Broadcast
redacao@viva.com.brRio de Janeiro, 06/07/2025 - A declaração final da cúpula do Brics é um documento que reúne os resultados de acordos firmados e prioridades para o futuro do bloco formado por 11 países, incluindo os países-membro Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O encontro está sendo realizado no Rio de Janeiro desde a manhã deste domingo e seguirá ocorrendo até amanhã no início da tarde.
Costumeiramente, a declaração final é publicada apenas ao fim da reunião, mas foi antecipada. O procedimento costuma ocorrer em fóruns internacionais quando há dificuldade em se formar consenso, mas uma janela de oportunidade aparece. Quando isso se dá, o país anfitrião trata de acelerar a publicação do documento antes que algum dos membros mude de ideia, queira fazer uma alteração de última hora e coloque em risco a existência do próprio texto. Veja a seguir alguns dos pontos discutidos no documento.
No documento, o Brics reiterou o compromisso com o sistema internacional multilateral e o fortalecimento do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável, capaz de tornar o arranjo mais “justo, equitativo, ágil, eficiente, responsivo, representativo, legítimo, democrático e responsável”.
A declaraçaõ destaca a adoção, pelos países-membros, do Pacto do Futuro na Cúpula do Futuro, incluindo o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras.
No tópico sobre reforma da governança global, o Brics reafirma compromisso com a defesa do direito internacional, mas apela novamente à reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para incluir representantes de países emergentes e em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina.
Segundo o comunicado, China e Rússia “reiteraram o apoio às aspirações do Brasil e da Índia de desempenhar um papel mais relevante nas Nações Unidas”, incluindo no Conselho de Segurança. Os Brics também reconheceram as “aspirações legítimas dos países africanos, refletidas no Consenso de Ezulwini e na Declaração de Sirte”, mas não mencionaram especificamente a candidatura da África do Sul a uma vaga permanente no colegiado - ponto levantado como entrave pelo Egito e pela Etiópia, como revelou o Estadão/Broadcast.
O Brics registrou hoje, em seu comunicado, de maneira clara o apoio ao Irã nos conflitos recentes. O país se tornou membro do bloco na edição anterior, liderada pela Rússia. No total, foram nove parágrafos consecutivos sobre os diversos conflitos no mundo, exceto os da África, que ganharam trechos específicos. O bloco afirmou ser necessário que a Palestina tenha uma “representação adequada” em todas as organizações internacionais relevantes, incluindo o acesso a recursos financeiros de instituições multilaterais.
“Condenamos os ataques militares contra a República Islâmica do Irã desde 13 de junho de 2025, que constituem uma violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas, e expressamos profunda preocupação com a subsequente escalada da situação de segurança no Oriente Médio”, escreveram os países-membros.
O grupo expressou “séria preocupação” com os ataques deliberados contra infraestruturas civis e instalações nucleares pacíficas sob totais salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em violação ao direito internacional e às resoluções pertinentes da AIEA. As salvaguardas e a segurança nucleares, conforme o documento, devem ser “sempre respeitadas”, inclusive em conflitos armados, para proteger as pessoas e o meio ambiente contra danos. “Neste contexto, reiteramos nosso apoio às iniciativas diplomáticas destinadas a enfrentar os desafios regionais. Exortamos o Conselho de Segurança das Nações Unidas a se ocupar desta questão.”
O Brics menciona, de maneira sucinta, o conflito na Ucrânia, sem citar novamente a Rússia, que integra o bloco. “Esperamos que os esforços atuais conduzam a um acordo de paz sustentável”. Já no parágrafo 24, o bloco declara estar “profundamente preocupado” com a continuidade dos conflitos e a instabilidade na região do Oriente Médio e Norte da África.
Também condenou "nos termos mais fortes" os ataques contra pontes e infraestrutura ferroviária na Rússia que aconteceram nos dias 31 de maio, 1º e 5 de junho, na declaração final da cúpula, divulgada antecipadamente neste domingo. O documento alega que a ofensiva resultou em "várias vítimas civis, incluindo crianças", nas regiões de Bryansk, Kursk e Voronezh.
A menção ocorre logo depois de um parágrafo defendendo o fortalecimento de ações contra o terrorismo e não menciona a possível autoria dos ataques. Na época, autoridades russas abriram investigações para analisar a destruição das ferrovias, classificando como possível "ato de terrorismo".
O comunicado também expressou apoio à Índia ao condenar os ataques terroristas em Jammu e Caxemira, em 22 de abril de 2025. "Expressamos nossa firme condenação a quaisquer atos de terrorismo considerados criminosos e injustificáveis, independentemente de sua motivação, quando, onde e por quem quer que os tenha cometido", afirma.
Os países do Brics reiteraram compromisso em combater o terrorismo globalmente e impedir movimentos transfronteiriços, financeiros e de refúgio aos terroristas. Ecoando comentários feitos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais cedo, o comunicado diz que ataques terroristas não devem ser associados a religião, nacionalidade, civilização ou grupo étnico, levando todos os responsáveis à justiça de acordo com a legislação internacional.
O Brics apelou ainda para que a ONU finalize e adote rapidamente a Convenção Abrangente sobre Terrorismo Internacional, defendendo ainda "ações concertadas contra todos os terroristas e entidades terroristas designados" pela organização.
O grupo manifestou novamente “profunda preocupação” com a situação no Território Palestino Ocupado, diante da retomada de ataques contínuos de Israel contra Gaza e da obstrução à entrada de ajuda humanitária no território. “Clamamos pelo respeito ao direito internacional, em particular ao direito internacional humanitário e ao direito internacional dos direitos humanos, e condenamos todas as violações, inclusive o uso da fome como método de guerra.”
O Brics condenou as tentativas de politizar ou militarizar a assistência humanitária. “Exortamos as partes a se engajarem, de boa-fé, em novas negociações com vistas à obtenção de um cessar-fogo imediato, permanente e incondicional; à retirada completa das forças israelenses da Faixa de Gaza e de todas as demais partes do Território Palestino Ocupado; à libertação de todos os reféns e detidos em violação ao direito internacional; e ao acesso e entrega sustentados e desimpedidos da ajuda humanitária”, citou.
O bloco conclamou todas as partes relevantes a cumprirem suas obrigações sob o direito internacional, a agirem com máxima contenção e a evitarem ações escalatórias e “declarações provocativas”. O texto lembra que as medidas cautelares da Corte Internacional de Justiça, no processo instaurado pela África do Sul contra Israel, entre outros pontos, reafirmaram a obrigação legal de Israel de assegurar a provisão de ajuda humanitária em Gaza.
“Recordamos que a Faixa de Gaza é parte inseparável do Território Palestino Ocupado. Salientamos, a este respeito, a importância de unificar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza sob a Autoridade Palestina e reafirmamos o direito do povo palestino à autodeterminação, incluindo o direito a um Estado independente da Palestina.”
Mais uma vez, o bloco declarou “firme oposição” ao deslocamento forçado, temporário ou permanente, de qualquer parte da população palestina do Território Palestino Ocupado e da Faixa de Gaza e enfatizou a necessidade de “representação adequada” da Palestina em todas as organizações internacionais relevantes, incluindo instituições financeiras multilaterais, e acesso aos seus recursos. “Saudamos os esforços contínuos dos membros do Brics no sentido de um cessar-fogo urgente, para acelerar a prestação de ajuda humanitária e alcançar uma paz duradoura e sustentável na região”, escreveram os líderes.
No trecho seguinte, o grupo comemorou o cessar-fogo no Líbano e apelou a todas as partes para que “cumpram rigorosamente” os seus termos e implementem plenamente a resolução do Conselho de Segurança. “Condenamos as contínuas violações do cessar-fogo e da soberania, independência e integridade territorial do Líbano. Pedimos a Israel que respeite os termos acordados com o governo libanês e retire suas forças de ocupação de todo o território libanês, incluindo dos cinco locais no sul do Líbano onde ainda permanecem.”
Para além da reforma do Conselho de Segurança, o bloco defendeu novamente uma “reforma abrangente” da ONU como um todo. O documento reitera a posição do grupo. Nos últimos discursos na capital fluminense, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar o organismo e a defender sua atualização.
“(...)Reafirmamos nosso apoio a uma reforma abrangente das Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança”, trouxe o documento no parágrafo seis, explicando que o objetivo é torná-lo mais democrático, representativo, eficaz e eficiente. Também há a intenção de ampliar a presença de países em desenvolvimento entre os membros do Conselho.
O comunicado da cúpula do Brics deu ênfase a um tema tratado pela área financeira do grupo e enfatizou as ações do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês, conhecido como Banco do Brics) de expandir o financiamento em moeda local. O bloco também destacou outras atividades da instituição, como mobilizar recursos, fomentar a inovação, diversificar as fontes de financiamento e apoiar projetos impactantes que promovam o desenvolvimento sustentável, reduzam a desigualdade e promovam investimentos em infraestrutura e integração econômica.
"Também reconhecemos e incentivamos a contínua expansão do seu número de membros e o fortalecimento de sua estrutura de governança, que aumentam a resiliência institucional e a eficácia operacional, para continuar a executar seu propósito e funções de forma justa e não discriminatória", escreveram os líderes.
O grupo também apoiou "plenamente" a liderança da ex-presidente brasileira, Dilma Rousseff, que foi reconduzida à presidência do NDB e "recebeu forte apoio de todos os membros". "Saudamos o firme progresso do Banco em direção à sua consolidação como uma instituição global para o desenvolvimento e a estabilidade. Essa trajetória reflete nosso compromisso compartilhado de fortalecer mecanismos financeiros que promovam o desenvolvimento inclusivo e sustentável no Sul Global."
Por fim, os países-membros (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) condenaram a imposição de medidas coercitivas unilaterais, contrárias ao direito internacional, na economia global, na declaração final da cúpula, divulgada antecipadamente nesta tarde. Segundo o comunicado, a proliferação de ações restritivas ameaça reduzir ainda mais o comércio mundial, interromper cadeias de suprimento e introduzir incerteza na atividade econômica a ponto de “exacerbar disparidades” no desempenho de cada país.
Os países-membros reiteraram que economias desenvolvidas devem providenciar o financiamento climático para ações de mitigação em países em desenvolvimento. O comentário repete conclusões da Trilha Financeira do bloco, encerrada ontem. A declaração também "saúda" a candidatura da Índia para sediar a COP33 em 2028 e ressalta o "compromisso total" dos países do Brics em garantir o sucesso da COP30, que acontecerá em novembro deste ano em Belém, no Pará.
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