Papa Francisco para além da religião: entenda legado do líder religioso

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Papa Francisco reabriu a fronteira do diálogo da Igreja com o mundo, segundo especialistas - Catholic Church (England and Wales)
Papa Francisco reabriu a fronteira do diálogo da Igreja com o mundo, segundo especialistas
Por Bianca Bibiano, com informações do Estadão Conteúdo

Publicado em 22/04/2025, às 16h18 - Atualizado às 17h18

Para especialistas, o Papa Francisco, falecido na segunda-feira (21), incentivou o diálogo da Igreja Católica com o mundo não católico, e sua morte traz à tona a influência política do Vaticano, que agora vê os olhares do mundo se voltarem para seus próximos passos.

No cenário internacional, ele teve uma atuação ampla, agindo como mediador de conflitos, como na reaproximação entre Cuba e os EUA, e promovendo o combate à guerra, ao tráfico de armas e às políticas de exclusão. Criou também espaços de diálogo com povos indígenas, especialmente na Amazônia, e reforçou o papel da América Latina no contexto eclesial global.

A cientista política Tathiana Chicarino, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, disse em entrevista ao Viva que o Papa Francisco se situou como uma liderança religiosa pautado por mais abertura que seus antecessores, o que contribuiu para sua projeção.

“Ele assumiu o Vaticano em um momento em que movimentos sociais e o ativismo online no ocidente pediam a ampliação de direitos a populações não incluídas e olhou para as questões da contemporaneidade, tanto sociais quanto raciais”.

Ela ressalta que os papas anteriores - Karol Józef Wojtyła [João Paulo II] e Joseph Aloisius Ratzinger [Bento XVI] - mantiveram uma postura mais fechada em relação a debates nesses âmbitos. “João Paulo II, por exemplo, assumiu a Igreja Católica em um momento em que a teologia da libertação se difundia fortemente na América Latina e no Brasil, e foi contrário a isso, com diversas medidas que diferiam das ideias propagadas nas eclesiais de base”, completa Chicarino.

A aproximação de temas considerados tabus em diferentes religiões do mundo, como a abertura da Igreja às pessoas LGBTQIA+, também impactaram em sua exposição mundial. Desde o início de seu papado, em 2013, Papa Francisco passou a endereçar uma mensagem inclusiva e decidindo permitir que os padres abençoassem casais do mesmo sexo, sendo criticado por “excesso de tolerância”. 

O vaticanista Filipe Domingues aponta que Francisco conseguiu fazer com que a instituição voltasse a ser uma voz presente nos debates mundiais. “Por muitos anos, a sociedade, o público fora da Igreja de uma forma ampla, não esperava mais da Igreja uma instituição global. Não se esperava nada de novo, nenhum tipo de movimento. A Igreja era um ícone de tradição e de estabilidade, de lentidão”, afirmou ao Estadão.

“Francisco reabriu a fronteira do diálogo da Igreja com o mundo. As pessoas paravam para ouvir o que o Papa tinha a dizer. O mundo se importava com os grandes temas que ele quis defender.”

Papa com projeção mundial 

O pontificado de Francisco foi o primeiro da história do catolicismo em que a proporção de cardeais europeus deixou de ser a maioria absoluta. Em 2019, quando ele nomeou 13 novos nomes, a Europa tinha 43% dos representantes da alta cúpula da Igreja. Quando assumiu o trono de Pedro, a cifra era de 61%.

“A Igreja deixou de ser eurocêntrica porque começou a ter um escopo muito maior, de nomeações a representações, mostrando que era, de fato, universal. A Igreja periférica, que até então não tinha vez nem voz, passou a ter representação no pontificado de Francisco. Ele conseguiu montar uma Igreja com uma outra cara, de fato antenada com os problemas do século 21”, explicou o teólogo, historiador e filósofo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Legado em defesa do meio ambiente

A influência política do Papa chegou ao Brasil especialmente nas questões socioambientais. Em seus sermões, endereçou especialmente a Amazônia, que abrange nove países sul americanos, além de convocar bispos da região a organizar um encontro em 2019 para uma aproximação da Igreja Católica com a ecologia.

Em suas falas na Basílica de São Pedro, no Vaticano, denunciou o desenvolvimento predatório, que chamou de “pecado ecológico”, e permitiu o uso de itens de origem indígena em rituais litúrgicos. Em 2020, contudo, recusou o pedido dos bispos de autorizar a ordenação de homens casados excepcionalmente para atender a região.

Para Chicarino essa é uma questão que deve permanecer no radar de influência política do Vaticano, uma vez que a proporção de católicos segue em queda no Brasil, demonstrando o fortalecimento de instituições evangélicas, consideradas mais flexíveis em suas regras internas. “A volta a um conservadorismo muito grande poderia não acompanhar a mudança social. Nesse sentido, as igrejas evangélicas têm mais adaptabilidade, permitindo que entrem em mais territórios, como vemos acontecer na região da Amazônia e em países africanos”, explica.

Segundo dados do Annuario Pontificio 2025, feito pelo Escritório Central de Estatística da Igreja, o Brasil tem 182 milhões de católicos, o que representa 13% do total mundial de adeptos a essa religião. Ainda segundo o Censo Estatístico 2020, 50% da população brasileira se autodeclara católica. Em 2010, o total era de 64% da população e, em 2000, de 73%.

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