Foto: Freepik
Publicado em 22/11/2025, às 11h50
São Paulo, 22/11/2025 – Quando há um diagnóstico de câncer, ele é notificado instantaneamente? Hoje, ainda não, apesar de existir uma lei que determina a notificação compulsória da doença.
Em 2018, a Lei nº 13.685 alterou outra lei, de 2012, e determinou que agravos e eventos de saúde relacionados a neoplasias (câncer) devem ter notificação compulsória, ou seja, comunicação obrigatória de casos suspeitos ou confirmados de doenças, agravos ou eventos de saúde pública às autoridades sanitárias.
Contudo, a determinação legal ainda não é aplicada em sua totalidade. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), órgão auxiliar do Ministério da Saúde, em nota, essa lei, até o momento, se encontra em fase de regulamentação, que deverá definir os fluxos e as responsabilidades institucionais.
“A proposta é que a notificação seja operacionalizada por meio dos Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP), reconhecidos como a fonte padrão-ouro para informações sobre a incidência de câncer”, acrescenta o INCA.
O órgão ainda esclarece que o processo de registro e análise realizado pelo RCBP é fundamental para a produção de informações de qualidade que sirvam de base para o planejamento e a avaliação das ações de controle de câncer no país.
Leia também: Homens resistem a buscar informações sobre câncer de próstata, mostra pesquisa
O caminho que a notificação do diagnóstico de câncer percorre no SUS envolve principalmente sistemas de informação específicos e segue uma estrutura hierárquica, a seguir:
Segundo especialistas ouvidos pelo VIVA, esse sistema carece de integração. Hoje, o fluxo dessa informação é fragmentado, dependendo de diversos canais de comunicação o que dificulta a centralização e contabilização dos dados
A advogada especialista em direito regulatório e sanitário do escritório BRZ Advogados, Aline Coelho explica que apenas os tipos de câncer relacionados ao trabalho fazem parte da lista de notificação compulsória do Ministério da Saúde – aqueles em que o trabalhador é exposto a riscos de desenvolvimento da doença.
Os outros tipos de câncer ainda são notificados via sistemas municipais e estaduais integrados ao SUS, mas sem o imediatismo da notificação compulsória, apesar da determinação legislativa de 2018. Além disso, muitas dessas documentações podem conter erros, não terem sido feitas ou ter problemas de integração.
É o que explica o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), Paulo Henrique de Sousa Fernandes. "Quando um paciente é atendido em uma unidade geral, no interior, seu diagnóstico pode ser perdido, porque o sistema de lá pode não ser integrado corretamente ao SUS”, observa.
Fernandes relembra que há vários sistemas, como o SISCAN, SIM e o SIH, mas eles são fragmentados, com informações não padronizadas, nem mesmo entre os Estados.
Leia também: Estudo brasileiro mostra que vitamina D potencializa tratamento contra câncer de mama
O diretor da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, André Sasse afirma que há um sub-registro e subnotificação dos casos de câncer, a depender da região. “Pode haver diagnósticos feitos em serviços sem registro oncológico estruturado, assim como casos tratados exclusivamente na rede privada, que tem menor integração com os registros populacionais”.
Ele ressalta que, muitas vezes, a inserção dos dados é manual, o que pode causar erros de digitação e de informação.
Há também uma dificuldade de acesso à biópsia e confirmação de diagnóstico em regiões mais remotas do País”.
A advogada Aline Coelho realça o impacto que os problemas relacionados à falta da notificação compulsória geram dificuldades para a criação e manutenção de políticas públicas e investimentos referentes aos diferentes tipos de câncer.
Ela aponta que, sem dados detalhados, é difícil ter um panorama geral e regional dos casos da doença em diferentes municípios e Estados.
"A gente tem um investimento grande em mamografia ou em outro tipo de exame. Mas será que vale a pena você ter maior investimento no Sudeste, ou o mesmo investimento no Norte, sendo que eles não têm a mesma incidência e a mesma prevalência da neoplasia?", questiona a advogada.
André Sasse adiciona que a notificação tem impacto direto e fundamental em ações de promoção da saúde. "Primeiro, subestima-se a real carga da doença em algumas regiões e até há a diminuição da própria capacidade de se fazer o diagnóstico adequado. Muitas vezes, porque o recurso não chega ou porque não se imagina que isso pode estar acontecendo naquela localidade".
Ele alerta que esse problema, quando chega ao paciente, se traduz em um atraso na organização da rede, o que resulta em falta de vagas, que leva a filas para cirurgia, quimioterapia e radioterapia, além da ausência de serviços próximos para realizar os tratamentos adequados.
Paulo Fernandes analisa que, no caso das notificações sobre câncer, é preciso que haja uma ligação automática do prontuário - este por sua vez, sendo um único para estabelecer um padrão. "Então, quando tivesse uma biópsia que mostrasse o diagnóstico de câncer, o ideal é que a notificação eletrônica fosse unida a todos os sistemas, como acontece com a covid e nos óbitos", observa.
Porém, a advogada traz uma ressalva: a capacidade de processamento desses dados por parte dos sistemas de informações públicos. "Frente a falta de regulamentação, é preciso questionar se é falta de vontade dos responsáveis ou se ainda não há meios para receber essas variadas notificações compulsórias e direcioná-las da maneira adequada", conclui.
Política de comentários
Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.
Gostou? Compartilhe
Finanças Pessoais