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São Paulo, 02/09/2025 - A dor lombar, conhecida como lombalgia, é um dos problemas de saúde mais prevalentes em todo o mundo. Embora em muitos casos seja aguda e passageira, em outros se transforma em uma condição crônica capaz de comprometer a qualidade de vida, a saúde mental e até a capacidade de trabalho das pessoas.
Mais do que uma simples dor, ela é um reflexo de múltiplos fatores que envolvem não apenas a coluna, mas também o cérebro, o estilo de vida e as condições emocionais do paciente, explica Ricardo Kobayashi, médico ortopedista com área de atuação em dor, professor na pós-graduação da Universidade de São Paulo e um dos principais especialistas no tema do País.
"Estatisticamente, todo ser humano vai sentir dor lombar ao menos uma vez na vida".
Ele cita um estudo que mostra que a prevalência de alteração na lombar via exame de ressonância, mesmo em pacientes assintomáticos, vai piorando com a idade. Aos 20 anos, cerca de 37% têm alteração nos exames; aos 30 anos, 52%; aos 50, 80%; e aos 80, 96%.
"Com o passar da idade, essa ressonância vai piorar, mesmo se você não tiver dor nenhuma."
Kobayashi ressalta que a lombalgia é a principal causa de anos vividos com incapacidade no mundo e uma das maiores responsáveis por afastamentos do trabalho."O impacto econômico e social é enorme, sobretudo porque afeta a população em idade produtiva."
Diante disso, reforça que a prevenção é sempre o melhor caminho. Atividade física regular, sono de qualidade, manejo do estresse e acompanhamento médico adequado são estratégias que reduzem o risco de cronificação da dor.
"No tratamento da lombalgia, a gente trabalha como se fosse um alfaiate cego. Eu não sei como é o paciente. Ele vai me dando dicas e eu vou moldando o tratamento para ele."
A lombalgia é caracterizada por dor na região lombar entre a última costela e a prega glútea. Pode irradiar para as pernas ou não, e tem múltiplas causas, cada uma exigindo uma abordagem específica.
A diferença central está entre a dor aguda e a dor crônica. "Enquanto a aguda funciona como um aviso do corpo, geralmente resolvendo-se em até seis semanas, a dor crônica persiste por mais de três meses, sendo considerada uma doença. Nessa fase, o sistema nervoso se adapta ao estímulo, fazendo com que o cérebro entenda que 'o normal da lombar é doer'", afirma o ortopedista.
O problema é que isso pode perdurar mesmo após cirurgias e tratamentos. Por isso, o especialista diz que um dos pontos mais importantes é o diagnóstico precoce e a intervenção ainda na fase aguda, para evitar que o quadro se torne permanente e o tratamento, mais complexo. Ou seja, para evitar que a dor se instale.
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A degeneração da coluna é natural com o avanço da idade, diz Kobayashi. Ele diz que isso acontece baseado em vários fatores que fazem nosso sistema de dor funcionar, principalmente a questão de humor, a ansiedade, o estresse, o sono, a atividade física e o funcionamento intestino, com destaque para a importância da microbiota intestinal.
"Eu tenho uma paciente de 91 anos que tinha uma medula totalmente esmagada e a única queixa dela era apenas uma discreta fraqueza na pele. Questionei se ela não tinha dor, e ela me disse: 'no dia que eu nado, reponho pilates ou faço uma faxina, dói um pouquinho'. Analise o contexto: ela é independente, mora sozinha, dorme bem, não é ansiosa. Seu ânimo é bom, ela é campeã de natação acima de 90 anos. Ela tem um estilo de vida que faz com que o sistema de dor equilibre muito o estímulo que ela tem na coluna", conta o médico. "E às vezes eu pego um paciente de 20 anos, que na ressonância não tem nada, mas é estressado e irritado, dorme mal, é ansioso, não faz exercício e tem muito mais dor."
Ele reitera que a percepção da dor lombar tem maior relação com o estilo de vida do que a idade. Com a idade, a gente vai perdendo massa muscular, principalmente depois dos 70 a 80 anos, quando é mais acentuada. Fazer exercício desde sempre é importante para prevenir, ressalta.
Se você não fizer uma poupança de músculo para o final da vida, quando chegar lá, vai começar a declinar."
Outro perfil de lombalgia no consultório são as pessoas entre 40 e 50 anos, que ele chama de "geração sanduíche": "Eles cuidam dos filhos e dos pais ao mesmo tempo em que enfrentam grande pressão no trabalho. Esse acúmulo de responsabilidades frequentemente desencadeia ou intensifica a lombalgia". Apesar de não ter dados numéricos, o médico diz que esse grupo tem aumentado a procura por consultas com queixas de dor.
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Kobayashi conta que durante muito tempo acreditou-se que alterações detectadas em exames de imagem eram automaticamente indicação cirúrgica.
Isso gerou, no passado, um excesso de operações na coluna com resultados insatisfatórios."
Hoje, a medicina caminha em outra direção, com indicativo de cirurgia apenas em casos mais específicos, como na perda progressiva de força ou na rara síndrome da cauda equina. "Se a lombalgia passou de três meses, tem que investigar, assim como a perda de urina e fezes com a dor nas costas, que requer uma certa urgência. Fora essas causas, que são exceção, a maioria dos tratamentos da lombalgia é clínico, não cirúrgico."
Ele pontua que hoje há muitas opções de intervencionismo, como os bloqueios e infiltrações, mas o respaldo científico não é tão robusto quanto os tratamentos mais conhecidos para dor muscular, como bolsa de água quente, alongamento e relaxante muscular ou anti-inflamatório num período curto. Mas com cuidado: "Se você usa por semanas ou meses, vai fazer mal para rins e coração, então é preciso cuidado nessa medicação. Ela pode ser muito maléfica para o paciente."
O tratamento em geral leva de três a seis meses para apresentar resultado na percepção da dor. "A meta é reduzi-la em 30% a 50%, o suficiente para devolver funcionalidade ao paciente e permitir que ele se engaje na reabilitação por meio de exercícios".
Apesar de pouco falada, a relação entre dor crônica e saúde mental é direta. Kobayashi diz que pesquisas têm mostrado que ansiedade, estresse, pessimismo e insatisfação com a vida são fatores que intensificam a percepção da dor e prejudicam a resposta ao tratamento.
"Um psicólogo ou psiquiatra especializado em dor tem papel fundamental nesse processo, ajudando o paciente a alinhar expectativas, lidar com frustrações e desenvolver estratégias de enfrentamento. Não se trata de dizer ao paciente que pensar positivo fará a dor desaparecer, mas de ajudá-lo a compreender os limites e as possibilidades do tratamento", explica o especialista.
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Segundo ele, a adesão ao tratamento também é decisiva e cita um recente estudo publicado no periódico internacional JAMA que mostra que a empatia entre médico e paciente, já na primeira consulta, influencia diretamente nos resultados de longo prazo.
Além de medicamentos e fisioterapia, o acompanhamento psicológico pode ser essencial para quebrar o ciclo de dor, ansiedade e incapacidade".
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