Falta de especialistas e desinformação prejudicam acesso à geriatria, diz médico

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Novo presidente da SBGG, o médico Leonardo Oliva destaca mecanismos para ampliar o acesso e diz que cuidado com idosos também inclui combater a desinformação - Divulgação/SBGG
Novo presidente da SBGG, o médico Leonardo Oliva destaca mecanismos para ampliar o acesso e diz que cuidado com idosos também inclui combater a desinformação
Por Bianca Bibiano [email protected]

Publicado em 16/07/2025, às 11h51

São Paulo, 16/07/2025 - Apesar do envelhecimento acelerado da população brasileira, o País ainda está distante de oferecer atendimento geriátrico adequado para quem mais precisa.Atualmente, apenas 3.167 médicos atuam nessa especialidade no Brasil, número cerca de dez vezes menor do que o ideal para atender a população idosa de forma eficiente. Desses, 65%s atuam somente em capitais, o que restringe ainda mais o acesso. É o que aponta o médico Leonardo Oliva, que assumiu a presidência da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) neste mês com o objetivo de ampliar a importância desse tema na sociedade.

Em entrevista ao Viva, ele destaca que ampliar a rede de atendimento nessa especialidade depende de esforço conjunto entre governos e redes de saúde públicas e privadas. Também diz que entender os principais gargalos, caminhos possíveis e riscos relacionados à falta de assistência geriátrica passa, necessariamente, por combater a chamada "fake medicina", que afeta especialmente a população idosa. Leia a entrevista completa a seguir:

Viva: Quem tem acesso à geriatria hoje no Brasil? 

Oliva: A quantidade de geriatras no Brasil é muito aquém daquilo que se preconiza como adequado para atender bem uma população. Temos cerca de dez vezes menos o número de geriatras necessário, sendo que não é apenas uma questão numérica, também é uma questão de localização desses profissionais,. A maioria se encontra nos grandes centros urbanos, nas capitais e nas grandes cidades.

Além disso, os serviços públicos de geriatria ainda são muito poucos em todo o País. Hoje, para ter acesso a um geriatra, você precisa pagar uma consulta particular ou conseguir se inserir em algum centro de atenção especializada, espalhados principalmente pelas capitais. E existem alguns limitadores. No particular, o grande limitador é o preço desse atendimento, é uma consulta cara. Já no sistema público, existem critérios específicos que acabam restringindo a entrada dos idosos nesse serviço. A maioria dos grandes centros públicos de geriatria tem critérios para entrar, como idade avançada, inclusão do paciente em alguma das grandes síndromes geriátricas ou problemas relacionados à perda da funcionalidade.

Há uma lacuna, pois a maioria da nossa população utiliza o SUS e o especialista geriatra nessa rede é bastante raro.

Há limitação também na saúde suplementar?

Na saúde suplementar também há uma limitação, porque as seguradoras de saúde não conseguem dar valor adequado e entender o que o geriatra faz em seu atendimento. A forma de remuneração hoje da saúde suplementar é uma remuneração que é muito mais voltada para procedimentos, como exames e cirurgias, do que o atendimento em consulta médica. Quando a gente fala no atendimento geriátrico, que dura pelo menos uma hora a consulta inicial, se torna praticamente inviável que o profissional consiga aceitar a remuneração do plano de saúde, que é a mesma paga, por exemplo, para um oftalmologista ou um otorrino, especialistas com um tempo de consulta menor e que têm procedimentos cirúrgicos e exames atrelados.

Se a gente parar para pensar, o acesso ao geriatra ainda é muito restrito, infelizmente.

E qual é o perfil de saúde dos pacientes que conseguem acessar esse especialista?

Há dois grandes grupos de pacientes que são do escopo do geriatra. Tem aquele paciente que é um idoso mais jovem, mais saudável e que procura geriatra para fazer um acompanhamento de saúde, para continuar envelhecendo bem e fazer escolhas mais adequadas para um envelhecimento digno e saudável. Porém, talvez diante da escassez de profissionais especializados, esses pacientes são até desprestigiados. Em alguns países, inclusive, há recomendação de que o geriatra só atue com um segundo tipo de paciente, que é o mais idoso, com múltiplas comorbidades e com grandes problemas de saúde. Para esse, é fundamental um atendimento por um geriatra, tanto do ponto de vista funcional quanto do ponto de vista de gerenciamento de saúde, pois isso mudam bastante os desfechos desse paciente. Por isso, o que a maioria dos serviços públicos faz é tentar selecionar esse tipo de paciente para que o geriatra possa dar atenção como uma forma de garantir acesso para quem mais precisa.

Mas não seria interessante ampliar o atendimento de prevenção, evitando gastos maiores com tratamentos e cirurgias?

Sim, o papel do geriatra é muito importante até mesmo para reduzir custos, não só por trabalhar a prevenção, identificar problemas cedo e tratá-los de forma adequada, mas também porque muitas vezes o geriatra consegue gerenciar problemas de saúde sem a necessidade de outros especialistas. É óbvio que com problemas mais complexos outro especialista é necessário, mas em situações clínicas habituais, o próprio geriatra consegue atender as demandas.

Por exemplo, diabetes, hipertensão, depressão ou doença de Alzheimer são situações bastante comuns no idoso. Se esse paciente passa por um clínico geral, ele habitualmente vai pedir uma consulta com cardiologista, com endocrinologista, com psiquiatra e com neurologista. São quatro atendimentos a mais e que, muitas vezes, o geriatra conseguiria lidar bem. Do ponto de vista de gerenciamento de saúde, a função do geriatra é muito importante.

Mas, como muitas vezes a visão do sistema de saúde é mais imediatista, observa-se o número de atendimentos do médico.

Um bom geriatra não consegue ver muitos pacientes por dia. A agenda dele é mais curta, então o plano prefere cadastrar médicos que consigam atender muitos pacientes, porque assim dá demanda àquela fila de atendimentos.

São poucos planos de saúde que entendem a importância desse acompanhamento especializado para a população idosa. 

Em termos gerais, considerando tanto a saúde suplementar quanto a pública, o que precisaria ser feito para inverter esse quadro?

A primeira coisa a se fazer é ampliar a valorização do profissional e a remuneração de forma adequada. É uma especialidade muito prazerosa de se trabalhar. Não é difícil convencer um médico recém-formado a trabalhar com a geriatria do ponto de vista do que ele vai exercer. Existem profissionais que gostariam de atuar nessa área, mas que não o fazem porque não conseguem entender o retorno financeiro. Infelizmente, isso é algo que está cada vez mais em voga, muitos fazem medicina no intuito do retorno financeiro, até porque pagaram faculdades caríssimas nesse caminho, e a geriatria não é uma especialidade de remuneração fácil.

A partir dessa valorização, vamos para a parte de formação, com abertura de vagas de residência, trazendo uma formação mais adequada para o médico. A residência médica é a melhor forma de especializar um médico, dando a ele conhecimento que ele adquiriu em treinamento e serviço sob supervisão. Mas se a gente não valorizar a especialidade, não adianta abrir vagas porque não serão preenchidas. Para dar um exemplo, isso aconteceu há pouco tempo com saúde da família. Entendeu-se, do ponto de vista de saúde pública, que era importante ter mais médicos da família. Abriram diversas vagas de residência médica para essa especialidade e elas não foram preenchidas. O erro foi que não houve a valorização adequada antes da abertura das vagas.

Como o senhor analisa essa atenção dada a esse tema pelos governos e pelos órgãos de saúde?

Nós temos buscado trazer esse olhar e a atenção para a geriatria e gerontologia, porque entendemos a importância dessa especialidade para um bom atendimento em saúde da pessoa idosa e para o sistema de saúde como um todo. Mas, infelizmente, não temos ainda a toda a atenção necessária para crescer e chegar ao tamanho que precisamos para conseguir atender adequadamente a população. Eu acho que a gente ainda não tem a devida atenção dos órgãos públicos diante dessa especialidade, apesar de a gente ter nos últimos anos conquistado um olhar maior sobre isso. De maneira geral, todos os países do mundo carecem em geriatras, quando consideramos a ideia de que é necessário ter ao menos um geriatra a cada 1.000 idosos.

Ao assumir a presidência da SBGG, o senhor mencionou que um dos tópicos da sua gestão será o combate à desinformação. Por quê?

Estamos vivendo um tempo muito difícil do ponto de vista de informação. É óbvio que existem diversos benefícios do acesso, mas isso também abre caminho para o compartilhamento de notícias falsas. E envolve a medicina, porque as notícias sobre saúde, doenças, tratamentos e curas chamam muito a atenção. Hoje, o que os algoritmos e influencers buscam é atenção, visualização e curtidas. Mas, mais importante do que o conteúdo, é como ele é entregue e disseminado. Isso gera riscos altíssimos para todos, mas os idosos são mais vulneráveis, especialmente a efeitos adversos de medicações e tratamentos, especialmente aqueles que não têm comprovação científica.

O que pode não fazer mal a um indivíduo mais jovem pode se tornar um grande problema para uma pessoa idosa.

Os idosos estão participando das redes sociais, se comunicam, trocam vídeos, trocam informações e seguem esses influencers que propagam uma fake medicina. Muitas vezes essa propagação visa o lucro, o retorno financeiro para aquele indivíduo que propõe uma intervenção que não tem evidência científica. Um exemplo do que atualmente é mais lucrativo e inadequado do ponto de vista médico são as chamadas soroterapias, que fazem a infusão venosa de soros com algumas vitaminas ou substâncias.

Não há qualquer indicação médica para esse tipo de tratamento de forma rotineira, fora do hospital, salvo em casos muito específicos de reposição de algumas vitaminas após se identificar a deficiência. Mas o uso indiscriminado como shot da imunidade, da longevidade e similares são formas de médicos inescrupulosos e charlatões ganharem dinheiro às custas da fragilidade das pessoas. Quando é um indivíduo idoso que está submetido a isso, ele tem um risco maior de desenvolver efeitos adversos desses tratamentos, que seriam teoricamente inócuos. Mesmo uma vitamina em excesso pode gerar um problema de saúde grave para os indivíduos, e os idosos são mais suscetíveis.

Como esses conteúdos de fake medicina chegam ao público?

De maneira geral, esses médicos que se utilizam da fake medicina trabalham muito forte com marketing e com a imprensa, porque eles precisam disso para existir. E aí surgem especialidades médicas que não existem. Não existe medicina ortomolecular, não existe medicina regenerativa, medicina integrativa, medicina da longevidade, medicina endocanabinoide. As especialidades médicas são registradas no Conselho Federal de Medicina e seguem critérios. Alguém que diz 'eu sou médico regenerativo' é uma grande invenção, uma forma de vender um produto que na maioria das vezes visa o lucro e não o benefício do paciente. Isso a gente precisa combater. [...] As sociedades médicas têm esse papel importantíssimo de ser um farol, um norte para a informação correta, para as orientações seguras de saúde, sem viés político e sem viés econômico que possa deturpar as informações.

Isso vale também para a atual conversa sobre o poder dos alimentos na saúde?

Fala-se muito sobre isso, tanto que um alimento específico pode ser um 'super responsável' pela melhoria da saúde, quanto o oposto, que um alimento vai fazer 'muito mal' e não deve ser consumido de forma alguma. Quanto mais impactante a notícia, mais ela é disseminada. E isso sim faz mal. É muito difícil que qualquer alimento que nós consumamos de forma moderada cause prejuízos para a saúde de alguém, como também vai ser muito difícil que um alimento específico faça bem. O que existe hoje é um conceito amplo do que é alimentação saudável, que envolve menos produtos industrializados, processados e ultraprocessados, e mais produto naturais, frutas, verduras, legumes, quantidade adequada de proteínas, além de evitar gordura animal saturada, e uma alimentação rica em castanhas, nozes e azeites, e com quantidade adequada de água e líquidos.

Existe um conceito geral do que é uma boa alimentação, mas dizer que o glúten faz mal para todo mundo, que a lactose é um veneno ou que determinado alimento vai fazer muito mal para a saúde, são falas com o intuito de chamar a atenção do público para algo que não é real.

Isso pode se dar também com o interesse de venda do produto, especialmente suplementos alimentares e fitoterápicos. Existe todo um marketing por trás deles. Atribui-se benefícios que são inexistentes do ponto de vista científico para que aquele produto, através daquela disseminação midiática, atraia a atenção da população, que passa a comprá-lo.

O público 50+ vem crescendo muito do ponto de vista econômico e é responsável por uma grande fatia da movimentação econômica do nosso País. Muitas empresas estão voltando seus produtos para isso, e a utilização da fake medicina ajuda a amplificar as vendas, atribuindo a certos produtos características que eles não têm.
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