Como incentivar autonomia em pessoas com Alzheimer e outras doenças degenerativas

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Esquecimentos frequentes estão entre os primeiros e mais comuns indícios da doença, mas não são os únicos - Envato
Esquecimentos frequentes estão entre os primeiros e mais comuns indícios da doença, mas não são os únicos
Por Bianca Bibiano [email protected]

Publicado em 01/07/2025, às 08h00

São Paulo, 30/06/2025 - Apesar de inúmeros benefícios, o aumento da longevidade na população brasileira também traz como risco o crescimento ampliado de casos de doenças degenerativas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima, por exemplo, que mais de 50 milhões de pessoas vivam com Alzheimer no mundo, com cerca de 10 milhões de novos casos surgindo anualmente. No Brasil, um artigo publicado em 2023 na revista científica Research, Society and Development indica que 65% dos diagnósticos são em mulheres e que a incidência e a prevalência aumentam exponencialmente com a idade, praticamente dobrando a cada cinco anos após os 65 anos de idade.

Segundo Filipe Gusman, geriatra da Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro, um dos grandes desafios de cuidar dos pacientes nessas condições é a preservação da autonomia conforme a doença avança. Ele explica que o Alzheimer e outras demências, classificadas como neurodegenerativas, possuem um comportamento semelhante em sua evolução, passando pelas fases inicial, moderada, grave e terminal.

"Conforme a doença avança, a autonomia do paciente tende a diminuir, mas é essencial respeitar as escolhas individuais. Algumas pessoas ainda conseguem decidir por si mesmas, mesmo com comprometimento cognitivo, sendo fundamental interpretar seus desejos de acordo com a fase da doença", disse em entrevista ao Viva.

Gusman destaca que, na geriatria, existe uma diferença entre autonomia e independência. "Autonomia refere-se à capacidade de escolha e decisão, enquanto independência está relacionada à habilidade de realizar tarefas por conta própria". Esses critérios avançam em nível de complexidade de pessoa para pessoa, explica o médico. "Em alguns casos, o paciente poderá sair sozinho ou movimentar uma conta no banco, em outros casos precisará de acompanhamento. É semelhante a quando se começa a oferecer autonomia para criança que está aprendendo, mas, nesse caso, o idoso está desaprendendo".

Nesse sentido, ele defende que, ainda que um idoso com doença degenerativa tome decisões supervisionadas, ele tem direito a exercer sua autonomia. "Isso garante mais qualidade e dignidade de vida", e completa:

"O máximo que se conseguir preservar de autonomia e independência, melhor para o paciente, que terá um avanço diferente na doença. Ter atividades sociais, estímulo cognitivo e atividades com supervisão também é fundamental".

Cuidadores também podem ajudar na autonomia

À medida que a doença degenerativa avança, será inevitável que a pessoa precise de um cuidador presente. "Na fase inicial, os pacientes até conseguem viver sozinhos com apoio e supervisão à distância. No entanto, quando a doença evolui, a necessidade de supervisão por cuidadores, sejam familiares ou profissionais, se torna essencial para evitar riscos como quedas ou esquecimentos perigosos, como deixar o fogo aceso".

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 Filipe Gusman, geriatra da Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro (Crédito: Divulgação)

No caso de cuidadores contratados, o geriatra diz que é recomendável contratar um profissional com formação adequada para esses quadros. "O treinamento ajuda a saber o que fazer quando o paciente com Alzheimer fica agressivo, por exemplo. É como se houvesse um curto circuito no cérebro, uma pessoa dócil vira agressiva, e isso gera estresse no cuidador".

De modo geral, ela indica também que os cuidadores evitem usar palavras no diminutivo ao se referir ao idoso, evitando infantilizá-lo. "Isso mexe com a dignidade, roubando a autonomia da pessoa. Não é bem-vindo. Se é a pessoa mais velha gosta desse tratamento, tudo bem, ela pode aceitar, mas recomendamos evitar".

Ele também orienta que o cuidador não pode "sufocar" a autonomia e a independência da pessoa que recebe cuidados. "É respeitar ao máximo seus valores e auxiliar estimulando a pessoa a manter sua rotina e hábitos".

No caso dos medicamentos, por exemplo, ele exemplifica que os cuidadores e a família podem ajudar colocando um quadro de alertas na geladeira, colorido e com desenho ilustrativos, ou até usar recursos tecnológicos, como assistentes pessoais, aplicativos e serviços online que disparam alertas em caso de acidente ou perda de consciência. "É preciso reconhecer e individualizar a fase em que a doença se encontra. Quando ela avança, por exemplo, o idoso pode não conseguir fazer as correlações necessárias e, em casos avançados, torna-se mais reativo, cospe o remédio, daí é preciso até revisar as prescrições".

"A principal mensagem é entender a fase em que a doença se encontra. Quanto mais avançada, pior será a autonomia e mais habilidade o cuidador precisará para não roubá-la completamente".

Sinais de alerta para doenças degenerativas

Esquecimentos frequentes estão entre os primeiros e mais comuns indícios da doença, mas o geriatra do Hospital São Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR), Clóvis Cechinel, ressalta que não são os únicos. “Também é importante observar dificuldades para planejar e resolver problemas, desorientação no tempo e espaço, perder-se em lugares familiares, confundir onde está e problemas de linguagem”, ressalta. 

Outros sintomas incluem mudanças de humor e comportamento, como irritabilidade, depressão, ansiedade, retraimento social, evitar interações, hobbies ou atividades que antes eram prazerosas. “O diagnóstico do Alzheimer é muito complexo, nenhum sinal deve ser desconsiderado. Muitas vezes, o próprio paciente não percebe o declínio cognitivo”, afirma Cechinel.

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Com mais de 10 milhões de seguidores, a ‘Vó da Pomba’ mostra que o bom humor pode transformar o cuidado com o Alzheimer - Foto: Divulgação

A família de Amália Theresa da Silva, de 96 anos, vivenciou todas essas etapas até receber o diagnóstico do Alzheimer. “Foi duro, difícil de assimilar, porque o Alzheimer não vem com um manual. Ele é muito demorado, existem muitos outros tipos de demência que se parecem. Foi preciso fazer exames, testes clínicos e buscar o parecer dos médicos”, relembra Raul Junior, neto e um dos cuidadores.

Diagnosticada aos 88 anos, Amália passou a viver com a família, que assumiu os cuidados. No início, além dos medicamentos, ela fazia terapia, fisioterapia e a família procurava estimular cognitivamente a idosa com brincadeiras, inserindo-a na rotina da casa. Agora, com o estágio mais avançado da doença, as terapias foram substituídas pelo humor. “Nós fomos nos adaptando ao longo do tempo. Eu tinha uma conta na rede social que colocava coisas engraçadas, comecei a mostrar alguns momentos nossos. Assim nasceu a ‘Vó da Pomba’, que tem mais de 10 milhões de seguidores. Ali, mostramos como o bom humor deixa o cuidado mais leve, mas não é fácil cuidar de um idoso com Alzheimer”, conta Junior.

No caso de Amália, todos os familiares se envolveram nos cuidados. Cerca de dois anos após o diagnóstico, ela passou a ter memória de 15 segundos, repetindo sempre as mesmas frases. “Quem recebe o diagnóstico na família precisa ter em mente que a doença não vai deixar de existir e que aquela pessoa vai deixar de ser quem sempre foi, dizendo coisas que machucam e, muitas vezes, ficando agressiva. Também é fundamental contar com uma rede de cuidados, sempre que possível, porque é muito difícil cuidar sozinho. E, acima de tudo, é preciso lembrar de cuidar de si mesmo”, reforça o neto.

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