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São Paulo, 14/06/2025 - Os dados alarmantes sobre a violência contra idosos evidenciam a necessidade de atenção especial aos serviços de cuidados voltados a essa população. Embora a maior parte desse trabalho ainda seja realizada de forma informal, a profissionalização no setor de cuidados de pessoas em domicílio vem crescendo: em 2014, a categoria de cuidados pessoais em domicílios representava apenas 5,8% do total dos trabalhadores desse setor, mas, em 2024, já representava 11,1%, conforme aponta o Boletim do Trabalho Doméstico do Dieese, divulgado em abril deste ano.
Segundo Andreia Teixeira, presidente da ABC Cuidadores, entidade que representa a categoria nacionalmente, ainda que os dados mostrem crescimento, eles não representam a totalidade dos profissionais que atuam nos cuidados a pessoas idosas, pois muitos são registrados pela área da saúde e aparecem em outras estatísticas do setor.
Isso acontece porque os serviços nessa área se dividem atualmente em duas grandes frentes diferentes:
- Prestam assistência em saúde com profissionais, como enfermeiros, técnicos de enfermagem e médicos;
- Atuam no atendimento domiciliar de baixa complexidade, oferecendo suporte em atividades como higiene, alimentação e companhia no dia a dia.
A seguir, entenda quando contratar cada serviço e quais pontos devem ser observados.
De acordo com Naira Dutra Lemos, presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), é difícil estabelecer um momento exato para a contratação, pois a decisão varia conforme cada situação.
"A decisão vai depender do grau de funcionalidade, do grau de dependência e do tipo de cuidado que a pessoa idosa necessita. Mas, resumindo, é no momento em que a pessoa não consegue mais dar conta das suas atividades de vida diária e que precisa de uma supervisão para medicação e outras questões."
O Brasil ainda não conta com programas públicos que subsidiem cuidadores ou ofereçam apoio direto a esses profissionais, o que transfere a responsabilidade da contratação para as famílias, contribuindo para o alto índice de informalidade. Da mesma forma, o Sistema Único de Saúde (SUS) não fornece serviços de home care em sua rede de cobertura.
São profissionais que oferecem assistência em atividades diárias ou pontuais da rotina dos idosos. São indicados para casos de baixa complexidade, nos quais não há necessidade de acompanhamento contínuo de saúde. Eles podem atuar de forma pontual ou com regime de contratação fixo ou temporário.
A orientação da ABC Cuidadores é que os trabalhos com vínculo empregatício sejam estabelecidos em regime CLT, respeitando o salário da categoria de de cuidador, que entra no segmento de trabalho doméstico.
Segundo o Painel do Ministério do Trabalho, a remuneração média desse tipo de trabalhador é de R$ 2.031,38. Para profissionais liberais, o serviço pode ser feito com emissão de nota e os valores giram em torno de R$ 200 a R$ 250 em média por diária.
Os cuidadores também podem ser contratados por empresas que fazem o intermédio com as famílias e cobram taxas de serviço. Nesses casos, a recomendação é que as famílias atentem para a credibilidade da empresa no mercado e para a qualidade de formação oferecida aos profissionais.
É um tipo de serviço realizado por empresas que fornecem equipamentos médicos e também profissionais da saúde para cuidados e terapias, além de suporte técnico especializado voltados a casos de média e alta complexidade em saúde. Nesse caso, os profissionais podem executar procedimentos mais complexos ou invasivos, que incluem desde a aplicação de injeções até fornecimento de oxigênio e instalações completas de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) em casa, dentre outros.
A regulamentação desse segmento deve atender às normas dos conselhos de medicina e enfermagem dos Estados e as empresas podem trabalhar em parceria com planos de saúde.
Nesses casos, a recomendação para a contratação é entender especialmente como é realizada a supervisão e a prevenção dos riscos de vida de cada paciente.
Pesquisa da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) registrou um custo médio diário de um paciente internado em um hospital de R$ 1.576,92, enquanto no home care esse custo cai para R$ 908,81.
Para pacientes de alta complexidade em domicílio, a diária do serviço de home care pode custar cerca de R$ 1,2 mil, enquanto a de uma UTI é de cerca de R$ 3 mil .
Andreia Teixeira orienta que, ao contratar um serviço de cuidador ou home care, a família deve considerar fatores como formação, experiência, referências e, principalmente, a afinidade que o profissional estabelece com o idoso.
"É possível verificar se o profissional possui qualificação adequada e demonstra responsabilidade, paciência e respeito. Recomenda-se, como medida de segurança, realizar uma entrevista detalhada, solicitar a documentação completa, pedir referências e, se possível, um período de observação e adaptação supervisionado'", explica. É necessário também definir direitos e deveres para o cuidador, além de valores, carga horária e o tipo de contratação.
Para suprir os requisitos, muitas empresas especializadas investem na capacitação contínua dos profissionais contratados. É o caso da Vivantt, que oferece serviços premium no cuidado de idosos e investe em treinamento inicial e continado para sua rede de profissionais. Fabio Serpa, fundador da empresa, diz que um dos diferenciais do serviço são os dispositivos tecnológicos vestíveis (wearables) integrados a um aplicativo no qual as famílias podem monitorar diversos parâmetros de saúde à distância, com relatórios diários.
A ACG Home Care, que tem franquias em nove cidades do País, diz que também investe constantemente na formação, contudo, sente que a adesão aos cursos gratuitos oferecidos ainda é baixa. "A maioria dos profissionais cadastrados busca o curso de formação quanto é chamado para atuar no segmento, e não como forma de preparo prévio. Nosso objetivo é reforçar a importância dessa formação de forma contínua, reduzindo os riscos aos idosos e permitindo que recebam um serviço atualizado", destaca o CEO da empresa, Alexandre Pires.
Naira Dutra Lemos, da SBGG, destaca que a falta de preparo é uma das principais causas de maus-tratos a idosos. "Apesar da maioria dos casos ocorrer no ambiente familiar, cuidadores sem capacitação podem cometer erros sérios, mesmo sem intenção. A formação adequada pode reduzir significativamente os riscos", destaca.
"Um cuidador sem formação, ainda que profissionalizado, representa um risco por não estar preparado para desempenhar todas as funções corretamente. Já os cuidadores informais, que incluem familiares, vizinhos ou amigos, não têm exigência legal de qualificação, atuando com base em vínculos pessoais e bom senso."
Ela diz ainda que a legislação, pelo Estatuto da Pessoa Idosa, determina que qualquer ato de violência verificado ou suspeito tem que ser notificado pelos órgãos de saúde, e que isso tem que ser parte das formações. "Cada um de nós, na área da saúde, não importa em que espaço, se tiver desconfiança ou certeza, tem como dever, segundo a legislação, fazer a notificação. Na maioria das vezes, está no site da secretaria de saúde do município. É a forma mais adequada de evitar a omissão desses dados."
A SBGG orienta que os cursos de formação tenham entre 80 e 120 horas, carga que a ABC Cuidadores recomenda ampliar para pelo menos 160 horas. O conteúdo deve abordar comunicação, assistência nas atividades cotidianas, ação em emergências, prevenção de riscos e violências, e os direitos da pessoa idosa, e destaca ainda a importância do preparo emocional na prevenção de violências.
A qualificação profissional também valoriza a profissão e proporciona segurança para as famílias, para o idoso e para o próprio cuidador, diz Andreia Teixeira. "Cuidar de um idoso requer conhecimento técnico em áreas como mobilidade, higiene, alimentação e primeiros socorros. Ademais, uma boa formação prepara o cuidador para lidar com questões emocionais e éticas, prevenindo acidentes e melhorando a qualidade de vida do idoso."
A administração de medicamentos exige atenção especial, ela alerta. "Cuidadores não habilitados não podem realizar procedimentos invasivos, como aplicação intravenosa. Apenas a medicação oral, conforme prescrição médica, é permitida", explica. Mesmo testes simples, como o de diabetes, deveriam ser feitos sob supervisão adequada.
Teixeira acrescenta que é necessário desconstruir a visão romantizada da profissão.
"Não basta ter amor. Se não tem conhecimento, não vai cuidar bem. Por isso, a pessoa que se coloca a trabalhar de cuidadora tem que buscar conhecimento e se especializar, para cuidar com excelência e executar bem a função".
No caso das empresas de home care, Alexandre Pires explica que o trabalho é supervisionado pelos conselhos regionais de medicina e enfermagem, além da regulamentação específica da área. Já as empresas de cuidadores não têm exigência legal de supervisão técnica, podendo operar dentro da lógica do trabalho doméstico.
Para profissionais contratados em formato CLT, Andreia Teixeira, da ABC Cuidadores, explica que a profissão é regida pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) 5162/10, e está ligada ao trabalho doméstico. Para profissionais individuais, o trabalho por ser executado com cadastro de Micro Empreendedor Individual (MEI), que permite a emissão de nota fiscal pelo serviço e garante a contribuição social.
Atualmente, tramita também na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado o Projeto de Lei 5.178/2020, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que visa regulamentar a profissão de cuidador, estabelecendo critérios para formação e direitos trabalhistas específicos.
De acordo com a Agência Senado, o texto prevê que o profissional tenha, no mínimo, o ensino fundamental completo e curso de formação reconhecido pelo Ministério da Educação ou por associação profissional habilitada, com carga mínima de 160 horas. Profissionais com pelo menos dois anos de atuação ficam dispensados da exigência do curso. Caso aprovado, o contrato de trabalho será regido pela CLT, com jornada de até oito horas diárias ou regime de 12 por 36 horas.
Para Teixeira, a medida representa um avanço significativo. "No Brasil, com resquícios de escravidão, vemos um risco constante da mão de obra barata, com casos, por exemplo, nos quais o idoso precisaria ser atendido por uma pessoa regulamentada, de enfermagem ou fisioterapia ou outras áreas, e a família contrata apenas um cuidador sem formação".
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