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Por Pepita Ortega, do Broadcast
[email protected]Brasília, 27/05/2025 - A cúpula do Ministério Público Federal (MPF) considera desproporcional exigir que as vítimas que tiveram descontos indevidos em seus benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) promovam ações ativas para serem ressarcidas, mesmo diante de evidências claras da irregularidade.
Ao Broadcast, procuradores que acompanham os desdobramentos da Operação Sem Desconto ainda destacaram a “responsabilidade solidária” da União pelas fraudes - o que implicaria no dever do governo de ressarcir os aposentados e pensionistas lesados por descontos indevidos.
As ponderações partiram dos procuradores Nicolau Dino, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, e Alexandre Camanho, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF - a qual cuida de investigações de corrupção e improbidade administrativa. Ao cobrarem um “ressarcimento de forma mais proativa e não mediante provocação” do governo, eles lembram que no centro do inquérito está o crime de inserção de dados falsos em uma base de dados da Administração Pública Federal.
“Determinadas pessoas sofreram descontos involuntários, notificados e inseridos em um banco de dados do INSS. O INSS sabe precisamente quem são as pessoas que foram lesadas."
E segue: "Então seria completamente desproporcional que essas pessoas que foram lesadas à revelia de um ato de vontade, agora precisem de um ato de vontade para se verem ressarcidas”, afirmam.
A Procuradoria considera, por exemplo, que com a identificação das sete empresas de fachada sob investigação já há um “raio X de um grupo que precisa ser ressarcido de imediato”. “Essas pessoas já são sabidamente lesadas. Elas não precisam comunicar o governo, porque na realidade o INSS já sabe que essas pessoas sofreram descontos indevidos. Não há necessidade de que essas pessoas requerem o seu ressarcimento”, indicam os procuradores.
O MPF chegou a expedir uma recomendação para os ressarcimentos, no último dia 19. Entre outros pontos, o órgão sugeriu ao ministro da Previdência, Wolney Queiroz, que ocorra, em até 30 dias, o ressarcimento de pessoas presumivelmente vulneráveis, como os quilombolas, indígenas, aposentados por atividades rurais e pessoas que percebem até um salário mínimo de benefício.
Nesse mesmo documento, divulgado no dia 19, a Procuradoria discordou expressamente de os aposentados terem que questionar os descontos indevidos, via aplicativo. Após a recomendação, o Ministério da Previdência abriu a possibilidade de beneficiários do INSS questionarem, presencialmente, supostos casos de fraudes.
Como mostrou o Broadcast Político, a Procuradoria defende o reconhecimento “imediato” das vítimas das fraudes bilionárias ao INSS assim como a “devolução imediata”, com recursos públicos, dos valores que foram descontados indevidamente de aposentados e pensionistas. A avaliação acaba conflitando, em parte, com o discurso do governo Lula de que o ressarcimento dos aposentados fraudados deve advir dos investigados da Operação Sem Desconto.
Para a Procuradoria, não há uma “estrita vinculação” entre o ressarcimento e ele advir, ou não, dos bens “encontrados com os artífices dessa organização criminosa”. Isso porque, segundo as investigações, as fraudes ao INSS ocorreram com a “coparticipação de agentes públicos”.
“Como há uma participação muito forte, intensa, decisiva até, de agentes públicos, evidenciaria no mínimo uma responsabilidade solidária da União em relação a aquilo que corresponde aos danos aos beneficiários, aos aposentados e pensionistas. Haveria uma culpa, no mínimo, inegável, em relação aos agentes que vão atuar em nome do Estado. Na medida que você tem essa responsabilidade solidária, quer dizer, a União e o INSS, deram causa (às fraudes) de alguma forma - ou por omissão ou por um protagonismo muito evidente de agentes públicos -, ela também tem responsabilidade por viabilizar o ressarcimento”, explicam os procuradores.
A Procuradoria mantém um canal de interlocução aberta com o Executivo e busca “compartilhar soluções”. Ao mesmo tempo, não está descartada uma eventual ação judicial, “no horizonte”.
O MPF mantém no radar uma articulação em torno da adoção de mecanismos preventivos para que sejam adotados protocolos que evitem novas fraudes. Há uma preocupação em torno de fazer cessar e reverter a “facilitação normativa e institucional” que levou aos desvios.
“Houve todo um itinerário normativo de facilitação nos últimos anos que levou a isso (às fraudes). E agora é importante que o próprio poder Executivo e o INSS, que é uma instância autônoma, se deem conta de que foi justamente esse panorama normativo que facilitou essas fraudes. É preciso agora reverter isso normativamente”, indicam procuradores que acompanham os desdobramentos da Operação Sem Desconto.
Para o MPF, “é certo que tem que haver uma mudança” nos descontos associativos de benefícios de aposentados e pensionistas.
“Existem comunicações criminais e administrativas no sentido de quais pessoas (investigadas) têm de deixar de operar nesse universo. Mas há também uma preocupação, no sentido de que essas facilitações normativas não continuem ocorrendo. Tem que ser estancado. O Ministério Público Federal está preocupado com uma profilaxia daqui para diante. Isso não pode continuar ocorrendo”, indicam os procuradores.
Os procuradores frisam que quem tem que definir a modelagem dos mecanismos para evitar novas fraudes é o Executivo e o INSS. “O que nós queremos e recomendamos é que haja um protocolo, uma redefinição de como se processam esses descontos associativos, porque a gente está vendo que na atual sistemática, no atual modelo, há um potencial, risco de produção de danos”.
A Procuradoria pode vir a analisar eventuais modelos propostos, após a apresentação de uma eventual proposta, de acordo com seu “papel de fiscal da lei”. O grupo acompanha, por exemplo, as discussões do Congresso sobre o tema. “Vimos claramente que o que facilitou esse tipo de fraude foi uma facilitação normativa, mas uma remodelagem normativa não compete ao Ministério Público. Não é papel do Ministério Público pautar a atividade normativa do Congresso Nacional e do Poder Executivo”.
A Câmara dos Deputados já analisa um pacote de projetos de lei que foram apresentados na esteira do escândalo do INSS. O texto que encabeça o pacote propõe a vedação da realização de descontos nos benefícios previdenciários referentes a mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas. O projeto em questão é de autoria do deputado Sidney Leite (PSD-AM) e a ele devem ser apensados outros 52 PLs.
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