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Otimismo excessivo sobre longevidade pode ser tão ruim quanto pessimismo

Manuela França/Viva

A antropóloga Guita Grin Debert e o demógrafo José Eustáquio Alves durante o painel “Familismo nas políticas sociais e o cenário demográfico” - Manuela França/Viva
A antropóloga Guita Grin Debert e o demógrafo José Eustáquio Alves durante o painel “Familismo nas políticas sociais e o cenário demográfico”
Paula Bulka Durães
Por Paula Bulka Durães paula.bulka@viva.com.br

Publicado em 29/10/2025, às 15h29

São Paulo, 29/10/2025 – O envelhecimento da população brasileira está acelerado e exige ações rápidas para o acolhimento dessa nova realidade demográfica – a previsão é que, em 50 anos, contados desde 2010, a população idosa no País passe de 7% para 28%. Em países europeus, a transição é mais lenta, a exemplo da França, que quadruplicará o porcentual em um total de 204 anos, segundo projeções da Organização das Nações Unidas (ONU).

Essa rapidez é acompanhada por outras nações, como a China, o Japão e a Coreia do Sul. Para a antropóloga e professora emérita da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Guita Grin Debert, e o demógrafo e ex-pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), José Eustáquio Alves, a transição demográfica brasileira deve ser encarada como uma oportunidade, mas sem cair em um falso otimismo.

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Os dois cientistas abriram o painel “Familismo nas políticas sociais e o cenário demográfico” no último dia do Congresso Internacional Envelhecer com Futuro, durante o 7º Fórum São Paulo da Longevidade.

Para a antropóloga, o debate sobre a longevidade ganhou um tom positivo exagerado, ignorando a realidade brasileira em que envelhecer com saúde e bem-estar ainda é um privilégio. “A ideologia da velhice tem uma certa hipocrisia, divulgar o potencial do envelhecer só faz sentido quando existe a autonomia da pessoa idosa. É um certo otimismo que me incomoda”, opina.

Debert aponta a mídia como uma grande ferramenta para dar visibilidade ao envelhecimento populacional, mas questiona o enfoque extremamente positivo das coberturas. “Os jornais querem sempre trazer a longevidade ativa, com foco no estilo de vida e nas formas de consumo dessa geração, mas temos problemas muito mais dramáticos e difíceis de solucionar, que precisam ser contemplados com a mesma potência”, provoca.

Nem 'oba-oba', nem pessimismo

Na sequência, o demógrafo endossou a fala da pesquisadora, no que chamou de “oba-oba” do envelhecimento. “Vemos cada vez mais a mídia e as comunicações retratando a velhice ‘melhor idade’, mas precisamos fazer esse contraponto: porque a velhice é melhor do que as demais idades?”, questiona.

Entretanto, Alves relembra que esse olhar positivo é recente, já que o envelhecimento populacional foi encarado, inicialmente, como negativo para o desenvolvimento econômico. “Ao mesmo tempo que existe esse perigo de ser otimista demais, não podemos voltar a encarar o envelhecimento como um ônus. Temos que ter um equilíbrio, com foco em ações efetivas de inclusão e políticas públicas de cuidado”, complementa.

No Brasil, o índice de envelhecimento – que calcula o envelhecimento populacional, comparando a razão de pessoas com mais de 65 anos em relação às crianças de 0 a 14 anos – subiu de 30,7 em 2010 para 55,2 em 2022, segundo o Censo Demográfico do IBGE. Para o demógrafo, esse avanço abre margem para oportunidades.

“Existe uma visão geral de que o envelhecimento é uma coisa ruim, que a pessoa perde renda, fica isolada e é discriminada. Mas os estudos mostraram que existe o segundo bônus demográfico, que é o bônus da longevidade. Se aproveitarmos o potencial dessa população, isso pode ser uma força, ainda mais se combinada com a intergeracionalidade.”

Família não pode ser o único ator de cuidado

Outra pauta de discussão no painel foi o chamado familismo das relações de cuidado, ou seja, o papel que as famílias desempenham em assistir à pessoa idosa em situação de maior vulnerabilidade. Em dezembro do ano passado, o Brasil sancionou a Política Nacional de Cuidados, que estabelece o direito ao cuidado, mas também a quem cuida, o que fomentou as discussões pela regulamentação da profissão de cuidador no País.

Para a pesquisadora Guita Grin Debert, a função de cuidar está direcionada na sociedade brasileira, sobretudo, às mulheres mais velhas. “A Política Nacional do Cuidado é uma política muito avançada, porém é preciso ver como ela será posta em prática, para esse cuidado não ficar 100% associado à família. Não há resposta fácil, mas, se é política pública, não pode ser um dever exclusivamente familiar”, defende.

A Constituição Brasileira estabelece que os filhos têm o dever legal de amparar os pais na velhice, inclusive com o sustento, o que, para a antropóloga, reforça o papel do familismo nas relações de cuidado. “Mesmo filhos que foram abandonados pelos pais, quando esses pais chegam na velhice eles podem reivindicar uma pensão. A justiça social e os direitos humanos precisam olhar com atenção para esse gargalo na legislação.”

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