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São Paulo, 03/07/2025 - O mercado de nutrição está passando por uma mudança significativa em direção a soluções para pessoas acima de 60 anos de idade. A tendência, que impacta diretamente na indústria de alimentos e no consumo das famílias, é impulsionada principalmente pela percepção de que planos alimentares personalizados são capazes de abordar com eficácia problemas de saúde específicos, tendo como pano de fundo a crescente incidência de doenças crônicas entre os idosos e a preocupação do público sênior com o tema.
É o que apontam estudos globais como o Senior Adult Nutrition Market - Focused Insights 2025-2030, que estima que em 2024 o mercado de nutrição para o público sênior tenha movimentado US$ 21,10 bilhões (cerca de R$ 114,99 bilhões). A análise da consultoria Arizton projeta que esse setor poderá chegar a US$ 29,66 bilhões (R$ 161,64 bilhões) até 2030.
Até o ano passado, o segmento de suplementos alimentares detinha a maior fatia dentro desse mercado. O relatório destaca o uso de suplementos alimentares para prevenir e controlar doenças, que tem como foco fornecer nutrientes que contribuem para um envelhecimento saudável.
O estudo da Arizton também destaca que o mercado global de nutrição para idosos está passando por uma transição significativa para alimentos e bebidas funcionais, incluindo produtos como barras de proteína, queijos e carnes processados, drinks de proteína prontos para beber e iogurtes com probióticos.
"À medida que envelhecem, os indivíduos se preocupam mais em se manter saudáveis e evitar doenças relacionadas à idade".
No Brasil, os dados de consumo alimentar estão passando por uma revisão este ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e devem ser atualizados em 2026, mas segundo André Braz, economista da FGV IBRE, o próprio crescimento e a disponibilidade desse tipo de alimentação nas prateleiras já mostra que há uma demanda mais forte. "O próprio mercado mostra que os indivíduos têm prestado mais atenção na alimentação saudável, até como complemento à sua rotina de exercícios".
Contudo, ele pontua que dados anteriores mostravam que os complementos alimentares, por serem mais caros, nem sempre são acessíveis à boa parte dos idosos, grupo composto por maioria de pessoas de renda mais baixa e que não alcança produtos mais sofisticados e de valor agregado.
"Ainda assim, percebemos que um idoso, mesmo quando não tem acesso a um alimento industrializado que pode potencializar a ingestão de nutrientes importantes para a terceira idade, gasta mais com alimentos in natura, como frutas, verduras, leite, ovos e proteína animal. Ou seja, há um público disposto a consumir esse tipo de produto, mas nem todo idoso vira potencial consumidor desse segmento".
A análise encontra respaldo em uma pesquisa brasileira publicada em 2024, que analisou a percepção do consumo de alimentos funcionais por adultos de diferentes gerações e identificou que, entre adultos de 45 a 65 anos, fatores socioeconômicos favoráveis e uma renda mensal acima de dois salários mínimos influenciaram diretamente na percepção e no consumo desse tipo de produto.
A pesquisa identificou ainda que, entre adultos de meia-idade, a maioria dos entrevistados percebe os alimentos funcionais como remédios ou agentes usados para reverter hábitos pouco saudáveis e os danos à saúde associados. Por outro lado, pessoas de 18 a 44 anos demonstraram uma percepção positiva ao considerar a qualidade nutricional do alimento no momento da compra, bem como uma maior consciência da necessidade de consumir alimentos funcionais.
Os níveis de escolaridade acima de nove anos de escolaridade também parecem impactar as percepções de ambas as gerações. Ou seja, quanto mais tempo de estudo, mais favorável a pessoa é em relação a esse tipo de alimento, conforme a pesquisa.
O médico Daniel Magnoni, nutrólogo da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, explica que "um alimento funcional é aquele que, além de nutrir, também atua como um medicamento”, pois contém componentes com função terapêutica, chamados nutracêuticos.
"Um exemplo simples é a maçã, que possui fibras solúveis, ou o azeite de oliva, que contém gordura monoinsaturada e antioxidantes. Esses, além de alimentar, oferecem benefícios à saúde, sendo considerados funcionais por possuírem propriedades que ajudam na prevenção e no tratamento de doenças".
Em outras palavras, são alimentos quem, além de suas funções nutricionais básicas, como fornecimento de energia, proteínas, gorduras, carboidratos, vitaminas e minerais, oferecem benefícios adicionais à saúde. São diferentes de suplementos alimentares, pois fazem parte da alimentação diária e não são consumidos em doses isoladas.
Nesse sentido, o médico alerta que, embora alguns ultraprocessados contenham nutrientes em suas fórmulas, geralmente apresentam grande quantidade de conservantes, acidulantes e aromatizantes, por isso não são indicados como opção saudável, mesmo que tenham em sua fórmula ingredientes funcionais.
"Já iogurtes com probióticos podem ser considerados alimentos funcionais, assim como algumas barras de proteína, desde que tenham poucos conservantes", observa.
Os drinks de proteínas e produtos fit, que crescem nesse segmento, não se enquadram como alimentos funcionais, observa Magnoni. "A categoria de alimentos funcionais é composta principalmente por alimentos básicos, naturalmente ricos em nutrientes que exercem função terapêutica". E esse consumo se torna especialmente relevante na maturidade, pondera.
"Para quem tem mais de 60 anos, incluir alimentos funcionais ajuda a prevenir o envelhecimento precoce, reduzir a oxidação, controlar o colesterol e a glicemia. Dessa forma, alimentos que, além de nutrir, oferecem benefícios à saúde devem ser priorizados nessa fase da vida".
Incentivar esse hábito, contudo, é um desafio no Brasil, onde menos da metade da população consome verduras e legumes cinco vezes ou mais na semana, segundo monitoramento Covitel 2023, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Ainda que a população acima de 65 anos ou mais seja a mais adepta a esse tipo de alimentos, apenas 45% disseram atingir a frequência semanal recomendada.
Por isso, Andrea Emanuela Chaud Hallvass, coordenadora do curso de nutrição da UniCesumar, defende que "incentivar o consumo de alimentos saudáveis entre idosos exige sensibilidade, criatividade e adaptação à realidade social, econômica e cultural", e completa:
"Muitos idosos enfrentam barreiras como renda limitada, dificuldades de acesso físico ao mercado, problemas dentários ou de saúde, além hábitos alimentares arraigados ao longo da vida".
Nesse sentido, ela indica escolher alimentos saudáveis de baixo custo. "Nem todos os alimentos saudáveis são caros. Muitos são tradicionais, locais e mais baratos que os industrializados", exlica. Ela diz ainda para evitar “alimentos da moda”, como chia, goji berry e salmão, e valorizar os alimentos regionais e da estação, que são mais baratos e igualmente nutritivos.
Comprar em feiras, sacolões ou no fim do expediente também é indicado por ela. Outra dica é organizar compras coletivas em grupo e planejar o cardápio para gerar economia e evitar desperdícios. "Idosos com renda limitada não podem se dar ao luxo de perder comida, por isso, o planejamento alimentar é essencial", conclui.
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