Brasília, 02/09/2025 - A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta terça-feira, 2,
o julgamento da ação penal que acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus de tentar um golpe de Estado que visava à manutenção do poder mesmo após a derrota nas eleições de 2022. A denúncia foi dividida em cinco núcleos. A Corte se debruça neste momento sobre o chamado "núcleo crucial" da suposta organização criminosa.
O grupo responde por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. As penas, somadas, podem chegar a 43 anos.
Bolsonaro é acusado de cinco crimes, cujas penas somadas podem resultar na condenação a 43 anos de prisão. São eles: organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado com uso de violência e grave ameaça, e deterioração do patrimônio tombado.
O futuro de Bolsonaro não depende apenas do resultado do julgamento, mas também do placar, que pode dar à defesa mais possibilidades de recursos. Há, ainda, a discussão sobre onde a pena seria cumprida e se o ex-presidente pode ser mantido em prisão domiciliar, como ocorre atualmente.
No campo político, a condenação deve aumentar a pressão pela anistia e também de partidos do Centrão para que Bolsonaro indique quem será seu sucessor nas urnas na eleição de 2026.
O que acontece se Bolsonaro for condenado?
Como a defesa do ex-presidente poderá apresentar recursos, não necessariamente há uma consequência imediata da condenação. Bolsonaro continuaria em prisão domiciliar, como ocorre atualmente, por ter descumprido as medidas preventivas impostas pelo ministro Alexandre de Moraes - a não ser que Moraes decida mandá-lo a um estabelecimento fechado, ainda que não seja para cumprimento definitivo da pena. O período em prisão domiciliar ou estabelecimento fechado será contabilizado no cumprimento total da pena.
Enquanto isso, os advogados poderão apresentar embargos de declaração. Esse recurso não tem poder para reverter o mérito da decisão - seja a condenação ou a absolvição -, mas é usado para esclarecer pontos obscuros ou contraditórios da sentença.
Outro tipo de recurso possível é o dos embargos infringentes. Nesse caso, a condenação é submetida ao plenário do STF, que pode reverter a sentença. O regimento interno do Supremo prevê a possibilidade de embargos infringentes quando há quatro votos contrários no plenário.
O regimento interno da Corte cita a existência de divergência. Contudo, em decisões anteriores, já foram exigidos dois votos para o direito ao uso desse recurso, seguindo a proporção entre as Turmas e o plenário. Segundo esse entendimento, os dois votos contrários precisariam ser no mérito, ou seja, pela absolvição de Bolsonaro em um ou mais crimes pelos quais ele é acusado.
Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso da cabeleireira Débora dos Santos, conhecida por ter pichado a estátua “A Justiça” com batom. Ela foi condenada pela Primeira Turma do STF por golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada e deterioração do patrimônio tombado.
O ministro Luiz Fux votou pela condenação de Débora apenas pelo último crime e a absolveu dos demais. O ministro Cristiano Zanin votou pela condenação da cabeleireira em todos os cinco crimes, mas divergiu da maioria da Primeira Turma quanto ao cálculo da pena - uma questão não relacionada ao mérito da acusação.
A defesa de Débora entrou com embargos infringentes, mas o recurso sequer foi admitido. “Trata-se de somente 1 (um) voto vencido pela absolvição parcial, conforme demonstrado. Além disso, o voto vencido exclusivamente quanto à dosimetria da pena não configura divergência passível de oposição de embargos infringentes, conforme a jurisprudência pacífica desta Suprema Corte”, escreveu Moraes.
Apesar de o ministro citar a jurisprudência, advogados dos réus já declararam que pretendem contestar esse entendimento e tentar mudar a posição do STF sobre o tema.
A condenação de Bolsonaro transitará em julgado somente quando os recursos se esgotarem. Como, além de ex-presidente, ele também é capitão reformado do Exército, não há clareza sobre onde cumpriria a pena.
Há duas possibilidades. A primeira é ficar preso em uma sala especial da Polícia Federal, assim como ocorreu com Lula em 2018, ou em uma cela especial em um presídio comum.
A segunda é que, como militar, ele cumpra o regime fechado em uma instalação do Exército, a exemplo do que ocorre com o general Walter Braga Netto, preso preventivamente desde dezembro de 2024 em um cômodo da 1ª Divisão do Exército, na Vila Militar, zona oeste do Rio de Janeiro.
Há ainda uma terceira alternativa. Os advogados podem pedir para ele cumprir a pena desde o início em prisão domiciliar, alegando que o quadro de saúde de Bolsonaro é delicado em razão das sucessivas cirurgias pelas quais passou e da idade avançada.
Reação na esfera política
Politicamente, há dois caminhos para reverter a condenação. O mais imediato é o Congresso Nacional aprovar uma anistia que beneficie Bolsonaro, o que provavelmente incluiria os demais réus e os presos pelo 8 de Janeiro. Aliados do ex-presidente tentam, há meses, convencer o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar a votação, mas até o momento não obtiveram sucesso.
No médio prazo, outra possibilidade é que o próximo presidente eleito conceda indulto presidencial a Bolsonaro em 2027. Para isso, um aliado teria de vencer a eleição de 2026 e arcar com o custo político da decisão. Entre os nomes mais cotados à direita, os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União-GO) já afirmaram que indultariam o aliado.
Apesar dos gestos dos pretendentes, Bolsonaro ainda não definiu quem será seu herdeiro político nas urnas, pois não quer perder força justamente no momento em que enfrenta o julgamento no STF.
Por outro lado, partidos do Centrão querem que a indicação seja feita ainda neste ano para ter mais tempo de construir uma candidatura de oposição e avaliarem o desembarque do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Nos dois casos, indulto ou anistia, a decisão poderia ser contestada no STF, que teria de julgar se a ação do Congresso ou do presidente seria ou não inconstitucional.
O que acontece se Bolsonaro for inocentado?
Uma eventual absolvição do ex-presidente na ação penal da tentativa de golpe não representa o fim de seus problemas com a Justiça. Ele seguirá inelegível, impedido de disputar a eleição de 2026, e ainda terá de lidar com outros inquéritos da Polícia Federal (PF).
Bolsonaro está em prisão domiciliar porque essa foi uma das medidas cautelares impostas por Moraes no inquérito em que ele e o filho, Eduardo Bolsonaro (PL), são investigados pelo suposto crime de coação no curso do processo. O argumento é que eles articularam sanções dos Estados Unidos aos ministros do STF para interferir no resultado do julgamento da tentativa de golpe.
O criminalista Renato Stanziola Vieira afirma que há margem para a prisão domiciliar de Bolsonaro ser revertida caso ele seja absolvido no julgamento da tentativa de golpe. “A regra é a seguinte: enquanto perdurar a situação processual que justifique uma medida cautelar, ela dura. Se a situação processual deixa de existir, o juiz pode sim revogar a medida. É necessário que se aguarde pois se deixar de haver o motivo do risco ele pode sim revogar a cautelar, tanto de ofício quanto por provocação [pedido da defesa]”, afirmou ele.
Bolsonaro e Eduardo foram indiciados pela PF pelos crimes de coação e abolição do Estado Democrático de Direito. Cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) decidir se prossegue com a denúncia ou arquiva o caso.
O ex-presidente também foi indiciado no caso das joias sauditas, revelado pelo Estadão em março de 2023. Segundo a PF, ele teria cometido os crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O caso também aguarda manifestação da PGR para ir adiante. Não há denúncia e, por conseguinte, Bolsonaro não é processado por isso até o momento.
No caso da Abin Paralela, a Polícia Federal considerou que Bolsonaro poderia ser responsabilizado pelo crime de organização criminosa, mas optou por não indiciá-lo porque ele já responde por essa acusação no processo do golpe - pela lei brasileira, ninguém pode responder duas vezes pela mesma conduta.
Uma vez livre, Bolsonaro teria mais condições de fazer campanha para si próprio ou para aliados. Apesar da inelegibilidade, ele costuma dizer que vai tentar registrar a candidatura a presidente até o último momento.
A liberdade também favoreceria o ex-presidente a alcançar outro objetivo eleitoral: eleger senadores suficientes para obter maioria no Senado Federal e promover o impeachment de ministros do STF.