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Geração sanduíche: o custo invisível do cuidado e a sobrecarga da mulher

Arquivo pessoal

Cleonice Crucello cuidava da mãe, Pina, que faleceu aos 102 anos, ao mesmo tempo em que cuidava do neto bebê - Arquivo pessoal
Cleonice Crucello cuidava da mãe, Pina, que faleceu aos 102 anos, ao mesmo tempo em que cuidava do neto bebê

Por Barbara Ferreira, especial para o VIVA

redacao@viva.com.br
Publicado em 02/12/2025, às 16h39

São Paulo, 02/12/2025 - Tal qual o recheio de um sanduíche, uma geração de brasileiros está "espremida" entre os pais, idosos que vivem cada vez mais, e os filhos, que demoram mais para ter autonomia financeira. Os velhos e os jovens exigem atenção e dinheiro também desses adultos chamados de “geração sanduíche”, que por vezes deixam seus trabalhos formais para conseguir dar conta da demanda familiar.

A ginecologista Cleonice Crucello ainda atuava como gerente de uma clínica de reprodução humana quando a saúde da mãe, Pina, falecida aos 102, exigiu mais atenção. Cleonice conta que a mãe ficou dependente da família aos 92 anos, quando o neto ainda tinha 12. "Minha filha ainda morava comigo e nos dividíamos para cuidar da minha mãe e do meu neto. Minha irmã sempre foi minha rede de apoio, pois meu marido, que faleceu há 10 anos, teve dois tipos de câncer e também precisou muito dos nossos cuidados", relata.

“Decidimos que teríamos cuidar da mamãe porque ela cuidou da gente. Eu e minha irmã não tínhamos agenda, porque sempre ficávamos à mercê dela. A gente deixou muita coisa de lado. E tinha meu neto e tudo que minha filha precisava. Sempre ajudei, minha vida inteira foi de cuidados, eu cuidei de todo mundo.”

Todo esse cuidado poderia ser classificado como um trabalho, segundo a economista Ana Amélia Camarano, demógrafa e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “O idoso e o jovem exigem muito de quem cuida, mas é um trabalho invisível. Não é remunerado ou valorizado, e isso gera uma sobrecarga, principalmente para a mulher”, disse ela ao VIVA.

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Segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 15,4% das unidades domésticas eram do tipo estendida, o que inclui filhos e parentes além do núcleo familiar. Esta é a terceira maior categoria do estudo, atrás de famílias nucleares (64,1%) e unipessoais (18,9%). Camarano explica que a geração sanduíche surgiu por questões econômicas: jovens demoram mais a sair da casa dos pais enquanto a expectativa de vida cresce. 

“Temos que entender que, hoje, vamos viver muito. E viver muito custa”, disse a economista.

Cleonice deixou de trabalhar para cuidar da mãe, mas já era aposentada. “Foi difícil porque eu tive que reduzir as minhas despesas já que eu tinha um salário altíssimo e acabei abrindo mão para cuidar da minha mãe, então vivi com a minha aposentadoria por um bom tempo”, contou. A vivência de Cleonice é próxima ao que especialistas entendem como ideal, quando o idoso têm reservas financeiras suficientes para pagar pela própria velhice.

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Pina morreu aos 102 anos. “Eu não precisei em nenhum momento ajudar financeiramente a minha mãe. Todos os cuidados eram pagos com o dinheiro dela. Por isso, também, que pude parar de trabalhar e reduzir minhas despesas”, explicou Cleonice.

Ao VIVA, a analista financeira Carol Cavenaghi, da Fin4She, destaca que a geração sanduíche não envolve apenas uma questão familiar, mas econômica e estrutural. Ela informa que classes sociais mais altas conseguem terceirizar parte do serviço com cuidadores e planos de saúde. “Nas classes média e baixa, esse cuidado, muitas vezes, é totalmente assumido dentro da família, na imensa maioria das vezes por mulheres. A velhice também escancara a desigualdade”, disse.

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“Na sociedade, ainda tratamos o cuidado como dever e obrigação, desconsiderando os impactos econômicos”, disse Cavenaghi. Quem assume a posição de cuidados passa a fazer pelo menos uma tripla jornada de trabalho, sendo responsável pelos pais, filhos e o dinheiro da casa, segundo ela.

“Esse cenário tem um impacto financeiro, um comprometimento da renda, já que parte significativa do salário vai para terceiros. Isso também inflama uma dificuldade em construir reserva de emergência, pensar em aposentadoria, além de uma sobrecarga mental e financeira enorme”, disse a especialista.

Educação financeira voltada para a velhice

A analista financeira ainda defende que a velhice mudou e que deve ser repensada como sociedade. “A gente também tem uma vida muito ativa na velhice. Pessoas de 60 ou 70 anos são ativas, estão trabalhando, querem viajar, consumir”, disse. Por isso, acredita que os parâmetros da aposentadoria têm mudado para os brasileiros e que os jovens devem se preparar financeiramente para a geração anterior e eles mesmos. 

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“Eles vão ter que se preparar para cuidar dessa geração que não se preparou para uma velhice tão longa, para 30 anos de velhice. Financeiramente é difícil. Ao mesmo tempo, as novas gerações vão se preparar para essa velhice de uma forma mais estruturada, pensando nesse longo prazo e no patrimônio que precisam acumular”, afirma.

Em julho deste ano, o governo federal regulamentou a Política Nacional de Cuidados, no entanto, as ações ainda não foram divulgadas. A economista do Ipea, Ana Amélia Camarano, aponta que políticas públicas são essenciais para que toda a população possa ser atendida, não apenas aqueles que se beneficiam de melhores condições financeiras. “A maioria das pessoas não vai poder poupar ao longo da vida para ter uma reserva para cuidados, para os seus cuidados”, afirma.

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