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Publicado em 09/09/2025, às 14h34 - Atualizado às 15h01
São Paulo, 09/09/2025 - Foi durante uma aguardada viagem em família com os filhos e os cinco netos para a Disney, nos Estados Unidos, em setembro do ano passado, que Mauro Moreira, 73, chegou à conclusão de que não poderia mais evitar uma decisão até então adiada: realizar uma cirurgia bariátrica. "Na viagem, eu percebi que não conseguia mais caminhar nem respirar direito, andava cinco minutos e precisava parar e me recuperar por mais tempo", relembra. Ele conta que conseguiu passear pelo parque com um carrinho alugado, mas mesmo o pequeno trajeto até as filas era um problema.
Há anos ele convivia com obesidade grau 1, mas foi o agravamento das dificuldades respiratórias, do cansaço e das questões relacionadas à mobilidade que o levaram a indicação cirúrgica. Antes disso, já havia tentado tratamentos com medicamentos, dietas e acompanhamento nutricional. Às vezes emagrecia, porém logo engordava novamente e não conseguia mais retornar ao peso anterior.
Com os anos, o quadro piorou e Moreira se viu mais sedentário. O desejo de aproveitar a família e manter a carreira como consultor de recursos humanos após a aposentadoria foram os grandes motivadores para a decisão.
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O caso de Moreira reflete um movimento em expansão. Nos planos de saúde, de 2020 a 2024, o total passou de 657 em 2020 para 1.548, conforme dados enviados ao Viva pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Já no Sistema Único de Saúde (SUS), passou de 155 para 455 no mesmo período, conforme dados enviados pelo Ministério da Saúde.
Somados os dois segmentos, foram 2.003 cirurgias bariátricas em pessoas 60+ apenas em 2024, quantidade 146,67% maior que em 2020.
De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade 2025, mais de 1 bilhão de pessoas vivem com obesidade atualmente, com projeções indicando que este número poderá ultrapassar 1,9 bilhão até 2035, representando quase 40% da população adulta mundial.
No Brasil, dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) deste ano mostram que 34,66% das pessoas, ou 9 milhões, estão com algum nível de obesidade.
Diante desse aumento e somado ao envelhecimento da população mundial, a International Federation for the Surgery of Obesity and Metabolic Disorders (IFSO) redigiu um novo posicionamento, a ser lançado ainda este mês, sobre a segurança do procedimento cirúrgico em pacientes acima de 65, revela o presidente mundial da IFSO, Ricardo Cohen, head do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Ele conta que antes dos anos 2000 a bariátrica era mais complexa, exigindo uma grande incisão no abdômen e de difícil recuperação. Contudo, novos métodos, como a laparoscopia, transformaram o procedimento em algo tão simples quanto a retirada da vesícula.
"Com a segurança dos novos procedimentos e a necessidade de tratar uma população mais longeva, os critérios se mantêm, mas a avaliação da indicação mudou completamente. O custo benefício de saúde tem que ser maior do que prejuízo. Esses parâmetros vão nos guiar na recomendação", pondera o médico.
O documento citado por Cohen reforça que é possível e seguro realizar bariátrica em pessoas acima dessa idade, desde que observados alguns critérios determinantes. "Levamos em conta a idade fisiológica e não a idade cronológica. Além disso, avaliamos a fragilidade física, que pode aumentar nesse público, mas varia individualmente. Observamos também se há algum caso de paradoxo da obesidade, no qual o paciente com sobrepeso tem menor risco de mortalidade do que uma pessoa de IMC normal. Por fim, ponderamos os sintomas da obesidade que justifiquem a operação".
De acordo com o Ministério da Saúde, atualmente a cirurgia é indicada apenas para os casos mais graves, "conforme critérios definidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Sobrepeso e Obesidade em Adultos: pacientes com IMC ≥ 40 kg/m², com ou sem comorbidades; ou com IMC ≥ 35 kg/m² associado a condições como diabetes, hipertensão, apneia do sono ou doenças articulares - desde que tenham realizado, por pelo menos dois anos, tratamento clínico sem sucesso".
Cohen ressalta que, independentemente da idade, ela é considerada o tratamento mais eficaz para obesidade grave, por proporcionar não apenas perda substancial de peso (30% a 40% do peso inicial) mas também remissão de comorbidades metabólicas.
Para medicamentos, os estudos são muito recentes e ainda não atestam a eficácia no longo prazo nessa faixa etária."
O médico geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Leonardo Oliva, diz que a cirurgia bariátrica pode ajudar no envelhecimento mais saudável e aumentar a expectativa de vida.
"A obesidade mal controlada acelera o envelhecimento, reduz a sobrevida global, principalmente por aumentar o risco cardiovascular, piorando situações como diabetes e hipertensão, e dificultando mobilidade, perda de autonomia e funcionalidade."
Quando bem indicada, ela pode mudar esse curso, melhorando o controle das doenças crônicas associadas ao risco cardiovascular, funcionalidade e qualidade de vida.
"Não é apenas sobre reduzir estômago e retirar parte do intestino, é sobre toda a história de vida do indivíduo, situações que envolvem a própria identidade, a relação com a comida, com o corpo e com a autoestima", explica.
Isso pode ser inclusive mais delicado nos idosos, porque pode ter relação direta em como se enxerga o envelhecimento."
A enfermeira Cleonice Monteiro, 61, fez a bariátrica quando estava chegando aos 50 e diz que envelhecer bem e ver o filho se tornar adulto foi o que a motivou a buscar ajuda médica.
"Envelhecer foi o motivador da cirurgia bariátrica. Eu queria viver mais e com qualidade."
Sua luta com o peso começou na infância e moldou sua vida adulta.
Com o passar dos anos, porém, as comorbidades chegaram, seguindo um padrão comum de muitas pessoas que vivenciam a doença. "E para a mulher obesa, é diferente, ela tem menos aceitação da sociedade", avalia.
Entre a decisão e a data da cirurgia de Monteiro, passaram-se cerca de seis meses repletos de consultas e exames. "Foi um processo demorado, eu via o sofrimento da minha família, especialmente do meu filho, que tinha medo que eu morresse de alguma complicação. [...] Mas é preciso entender como a gente usa a comida para lidar com pressões e estresses do dia a dia".
"Reduzir o estomago não faz com que você mude sua relação com o alimento."
Ela relata que a bariátrica foi a melhor decisão que tomou. "A qualidade de vida dá uma guinada. Mas não é simples como cortar o cabelo. Tem que perder um pouco de peso antes para se moldar à nova forma de se alimentar, às novas escolhas, para não acordar depois da cirurgia com a mesma cabeça".
O médico cirurgião do reality show Quilos Mortais Brasil e idealizador da clínica Obesicenter, Marcelo Carneiro, explica que esses cuidados prévios são de extrema importância para o sucesso do procedimento, especialmente quando se trata de pessoas 60+.
"Nessa faixa etária, o tratamento de obesidade pode oferecer complicação em relação às alterações no metabolismo, elas não respondem tão bem aos tratamentos quanto pessoas mais jovens".
Nesse sentido, ele explica que a cirurgia diminui a grelina, que é o hormônio da fome, e aumenta os hormônios intestinais que trabalham no sistema nervoso ajudando o esvaziamento do estômago e trabalhando para a produção de insulina no pâncreas, com maior resistência à insulina e à glicose. "Se a pessoa não compreender essa mudança, corre o risco de não se adaptar".
Por isso, a recomendação dos especialistas é que obesos acima dessa idade sejam acompanhados por uma equipe multidisciplinar, com endocrinologista, nutricionista, psicólogo, geriatra e preparador físico, preferencimanente especialistas que possam adaptar treinamentos às condiões musculares e ósseas.
A avaliação é sempre individualizada, como ele reforça, evitando ao máximo a osteoporose e a sarcopenia, que é a perda muscular que vem com o emagrecimento e é agravada pela idade.
De acordo com Bruna Magalhães, médica especialista em endocrinologia e metabologia do Instituto Assaly, o acompanhamento é necessário diante do grande risco de perda nutricional, a ser considerado em todo o processo de bariátrica. A cirurgia traz novas condições crônicas de saúde, como a falta de ferro e de vitaminas como B12 e D, exigindo complemento por toda vida, e muitas vezes em forma injetável. "Isso não é um problema quando o paciente tem orientação, mas quando ele abandona o tratamento após a perda de peso, é pior", afirma.
Além da adaptação da dieta, também há fatores que afetam especialmente mulheres na menopausa e climatério, como a baixa de estrogênio e os riscos de diabetes. "É preciso avaliar as comorbidades e fazer acompanhamento hormonal", explica.
A médica pondera que esses fatores também devem ser considerados do ponto de vista financeiro, já que a dificuldade de adquirir a suplementação é, juntamente com o abandono do tratamento, uma das causas para o reganho de peso e problemas de saúde no longo prazo.
Além disso, frisa, a alimentação pós-bariátrica nunca mais será a mesma. Nos primeiros 45 dias a ingestão de sólidos é proibida, com apenas líquidos em pequenas quantidade ao longo do dia. Somente depois evolui para texturas pastosas e sólidas. De modo geral, a pessoa não conseguirá comer grandes quantidades, o que exigirá uma reeducação completa de paladar e hábitos.
De fato, Cleonice Monteiro e Mauro Moreira relatam que essa readaptação afetou bastante suas vidas. No caso dele, às idas a restaurantes deixaram de ser vistas como opção de lazer.
"Eu costumava jantar com frequência com minha esposa em uma cantina italiana, ocasiões em que eu comia até dez fatias de pão com sadela só na entrada. Na primeira vez que consegui ir à cantina após cirurgia, comi apenas uma fatia e um quarto do prato principal.
Praticamente deixamos de ir à restaurantes. Agora vamos mais a museus, cinemas, parques, coisas que não fazíamos antes".
Já Monteiro relata que mesmo após 12 anos do procedimento, ainda hoje se vê em situações de "comer com os olhos", na qual faz um prato com quantidades maiores do que consegue ingerir. "Não se pode romantizar, existe desconforto", conta. Mas é uma questão de escolha. "Hoje sou mais feliz, mais saudável, tenho vitalidade, vida social ativa, até voltei a namorar perto dos 60. Quero aproveitar com qualidade o tempo que me resta."
O geriatra Leonardo Oliva também observa que a polifarmácia, que consite no uso de cinco ou mais medicações concomitantemente, pode ser vista como um risco para pacientes 60+, porque haverá uma mudança na capacidade de absorção do organismo, sendo necessário ajuste de doses e até substituição de remédios devido à alteração da absorção.
"Manter tudo como estava não é uma possibilidade. Haverá um acompanhamento muito de perto para revisar o que vinha sendo utilizado e instituir os novos remédios necessários, que envolve pelo menos algumas vitaminas e suplementação de nutrientes", completa.
A obesidade representa um ônus econômico substancial: estimativas do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) apontam um impacto superior a R$ 2,9 bilhões anuais apenas no sistema de saúde suplementar.
O cálculo foi feito considendo o custo-efetividade entre as diferentes modalidades de intervenção e demonstra que a cirurgia bariátrica, apesar do elevado custo inicial - estimado entre R$ 15.000 e R$ 50.000 dependendo da técnica e contexto -, demonstra uma favorável relação aos medicamentos. A economia estimada é de US$ 2.000 e US$ 20.000 por ano de vida, especialmente pela a remissão de doenças crônicas e redução nos custos com medicações e complicações microvasculares no longo prazo.
Contudo, outro levantamento publicado em agosto pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) com dados do SISVAN, ANS e SUS, mostra que menos de 1% da população do Brasil com indicação para cirurgia bariátrica consegue realizar o procedimento. O levantamento considerou a obesidade mórbida ou índice de massa corporal (IMC) grau 3 em mais de 1,1 milhão de pessoas, além de 2,1 milhões com obesidade grau 2 e 5,3 milhões com obesidade grau 1, representando um total de 34,61% da população brasileira.
Segundo o médico Marcelo Carneiro, o tratamento para obesidade hoje é dinâmico e envolve desde tratamento clínico com remédios a base de tirzepatida e semaglutida, até intervenções diretamente no estômago, incluindo balão endoscópico ou deglutível, gastroplastia por endoscopia e, por fim, a cirurgia bariátrica. A escolha dependerá de cada caso, considerando os resultados esperados, a indicação médica e também a disponibilidade do provedor de saúde que vai realizar o tratamento.
No SUS, por exemplo, o Ministério da Saúde afirma que o paciente com obesidade passa por "uma linha integral de cuidados, que começa na atenção primária, com orientação nutricional, incentivo à atividade física, suporte psicológico e acompanhamento multiprofissional". Já os medicamentos específicos para emagrecimento não são ofertados gratuitamente e a bariátrica só é indicada em casos autorizados, assim como ocorre na maioria dos planos de saúde.
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