"O cérebro do brasileiro envelhece mais rápido", revela pesquisador

Divulgação/Instituto Serrapilheira

Em entrevista ao Viva, pesquisador brasileiro Eduardo Zimmer explica mais sobre o funcionamento do cérebro e sobre nova pesquisa sobre envelhecimento - Divulgação/Instituto Serrapilheira
Em entrevista ao Viva, pesquisador brasileiro Eduardo Zimmer explica mais sobre o funcionamento do cérebro e sobre nova pesquisa sobre envelhecimento
Por Bianca Bibiano bianca.bibiano@viva.com.br

Publicado em 06/08/2025, às 08h57

São Paulo, 06/08/2025 - O cérebro humano ainda guarda muitos mistérios para a ciência, especialmente quando se trata do envelhecimento. Embora parte disso resida na dificuldade de acessar esse órgão para pesquisas mais detalhadas, também reflete um etarismo que persiste mesmo no campo acadêmico.

"Metade dos cientistas que estudam envelhecimento enxergam esse fator como uma doença", pondera Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da McGill University, no Canadá, e pesquisador do cérebro apoiado pelo Instituto Serrapilheira. "Nós acreditamos que sabemos muito sobre o cérebro, mas ainda há muito mistério a desvendar".

Em entrevista ao Viva, ele citou achados de sua pesquisa recente, feita com dados de 40 países, que associa instabilidade política e desigualdade social ao envelhecimento cerebral acelerado, uma realidade que se intensifica no sul global. "Mesmo ajustando todos os fatores, a instabilidade política acelera o envelhecimento", disse. No Brasil, por exemplo, o cérebro envelhece cinco anos mais rápido que a média global, destaca na conversa.

Apesar dos avanços na ciência do envelhecimento, Zimmer ressaltou que ainda não existem técnicas seguras para rejuvenescer o cérebro. "Estamos longe de desenvolver algo que rejuvenesça de maneira significativa". O que funciona, diz ele, é uma equação bastante conhecida, mas ainda difícil de ser posta em prática: "não fumar, não beber, praticar exercícios e ter uma alimentação balanceada são fatores que realmente ajudam a proteger o cérebro". Leia a entrevista completa exclusiva a seguir:

Viva - Por que nosso cérebro envelhece?

Eduardo Zimmer - A gente tem uma ideia de que sabe muito sobre o cérebro, e a gente não sabe. Diferentemente dos outros órgãos, é difícil acessar o cérebro, você não tem acesso não invasivo que funcione com a resolução que a gente tem para os outros órgãos. Por exemplo, é muito fácil fazer uma biópsia do fígado,  tirar um pedacinho e avaliar o que está acontecendo ali, em altíssima resolução, sem prejudicar o órgão. Do cérebro, a gente não consegue fazer isso. Dependemos de exames de imagem, que não têm a mesma resolução de um pedaço de tecido do corpo. Não conseguimos enxergar uma célula no exame de imagem, entender o que está acontecendo no cérebro do indivíduo vivo. Estamos aprendendo, mas ele é bastante misterioso ainda.

Outro ponto interessante é que a maior parte do que sabemos sobre o cérebro vem de estudos do norte global. Ou seja, a gente fala do cérebro do indivíduo que nasceu nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa. Sabemos menos ainda sobre o cérebro do brasileiro ou do indivíduo que nasceu no sul global.

Mas, mesmo sabendo pouco, aprendemos muito nos últimos anos, com aprendizados que trouxeram avanços a nível de utilidade clínica e de entendimento do cérebro. Uma coisa já bem definida dentro disso é que o cérebro diminui de tamanho com o envelhecimento. 

E como esse processo acontece?

O cérebro do adulto tem cerca de um quilo e meio, mas o de um indivíduo com 80 anos de idade pode chegar a 900 gramas. Em doenças degenerativas, essa redução de tamanho, peso e volume cerebral acontece de maneira super acelerada. Por muito tempo, pensávamos que a atrofia do cérebro acontecia por perda de neurônios, que é a unidade funcional do cérebro. Ou seja, o cérebro vai perdendo tamanho porque os neurônios vão morrendo e a idade vai chegando. Era uma hipótese que fazia sentido, porque na maioria dos casos, os neurônios não se regeneram, são poucas partes do cérebro onde a chamada neurogenese acontece. Então, se o neurônio morre, ele não vai ser substituído. Outros órgãos não têm esse problema. Esse conceito estava associado ao declínio cognitivo trazido pela idade. 

Mas essa perspectiva mudou, e tem muito a ver com um trabalho do pesquisador Roberto Lent, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que mostra de uma maneira muito elegante em um estudo recentemente publicado que não existe uma correlação entre número de neurônios e idade.

Não quer dizer que quanto mais velho você é, menos neurônio você vai ter.

Isso muda um pouco essa perspectiva de que perder volume está relacionado à perda de densidade dos neurônios. Uma pessoa pode perder peso do cérebro e continuar com os neurônios ativos. Há várias hipóteses que estão sendo investigadas. Uma delas é que os neurônios perdem os dendritos, que são os 'bracinhos' que fazem as conexões sinápticas, chamadas de sinapses. A outra hipótese envolve a alteração de outros tipos celulares no cérebro, que são abundantes também. Há muito o que investigar na área.

O cérebro de todo mundo diminui?

Sim.  A evidência disso é mais robusta com pessoas do norte global, mas sabemos que todos são afetados. Porém, em diferente lugares do mundo, esse cérebro parece envelhecer de forma diferente. Há estudos que mostram, com exames de imagem, que o cérebro de quem vive no sul global parece envelhecer mais rápido que no norte global. A hipótese que usamos para explicar é a "hipótese do exposoma", que é a soma de exposições que a gente tem na nossa vida. O exposoma de alguém que vive no sul global é mais estressor do que alguém que vive no norte global. Um exemplo simples, como andar na rua com o celular na mão, não é tão grave na Europa. Aqui no Brasil, você quer pegar o celular na rua e tem medo, você fica em estado de alerta. Isso é um exemplo de exposição estressora. 

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Na sua pesquisa recente, vocês identificaram a instabilidade política como um fator estressor. Por que ela aparece como relevante nesse aspecto?

Esse é um dado interessante. A gente corrige a pesquisa para todos os fatores, e mesmo assim os dados mostram que a instabilidade política acelera o envelhecimento. Ninguém tinha feito uma pesquisa avaliando esse ponto até então, e a gente fez isso com 40 países e 160 mil pessoas, uma pesquisa bastante robusta, mostrando que  a instabilidade política acelera o envelhecimento justamente por causa desse fator estressor. Com tudo o que vem acontecendo nos últimos anos, a política ganhou muita força nas redes sociais, um debate que muitas vezes é pouco produtivo e mais beligerante, as pessoas mais brigam do que discutem solução e isso cria um estresse crônico. É um fator que afeta a vida e o cérebro das pessoas.

O que os dados do estudo mostram sobre o envelhecimento no Brasil em relação ao mundo?

Não fizemos um ranking de países na pesquisa, mas no modelo que desenvolvemos de média de declínio no cérebro, o Brasil envelhece da média para baixo. Fizemos um padrão global de idade cronológica, quando jogamos os dados no sistema, o brasileiro parece cinco anos mais velho que a média. Um brasileiro de 43 anos de idade, por exemplo, parece ter 48 anos. 

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Do ponto de vista da memória, como funciona o envelhecimento?

Eu gosto muito de trabalhar com memória. Sempre que me perguntam porque eu estudo o que estudo, ou porque transformei essa área de pesquisa no meu propósito de vida, eu sempre falo que é por causa da memória. Você só sabe quem é porque tem memória. Se algum dia tirarem sua memória, você não sabe quem é, quem são as pessoas que você ama, a gente deixa de ser. Não existe nada mais poderoso do que a memória. Mesmo em outros tipos de doenças graves, você sabe quem você é. Essa perda de memória é muito sensível de se investigar e, para mim, é o mais importante para ser entendido em termos de ciência, porque garante que a gente continue sendo a gente.

Existe uma associação entre envelhecimento e uma redução de vários domínios cognitivos, um deles é o de memória. Mas essa redução só é considerada problemática ou patológica quando começa a trazer complicação para o dia a dia da pessoa. É comum a pessoa com mais de 60 anos esquecer o nome de alguma coisa, mas não causa problema no dia a dia. A redução da memória e das funções cognitivas mais complexas é o que vai causar problemas no dia a dia, aí sim é considerado um declínio patológico.

Muitas pesquisas atuais são voltadas a reverter esse declínio. O que está disponível hoje e o que ainda está o campo da ficção?

Existe uma fixação do desenvolvimento de técnicas que levem à saúde e resiliência através do envelhecimento. A ideia é desenvolver ferramentas, medicamentos, fármacos ou terapias, que possam fazer com que uma pessoa volte a ter biologicamente um organismo mais jovem. É uma fixação que envolve especialmente quem tem acesso à muito financiamento. É guiado por pessoas que não querem morrer. Estamos bastante longe de desenvolver algo que faça com que alguém rejuvenesça de uma maneira considerável. O que a gente tem visto e tem estudos em andamento, são alguns medicamentos que parecem fazer com que as pessoas vivam mais.

Saiu na Science um artigo importante sobre a taurina, por exemplo, um composto que parece fazer as pessoas terem um life span maior. Mas baseado no que eu vejo de literatura científica, a gente está muito longe de desenvolver técnicas que sejam confiáveis para rejuvenescer.

O que sim sabemos que aumenta a expectativa de vida são fatores modificáveis de risco que todo mundo s/já abe: não fumar, não beber, fazer exercício físico, se alimentar bem, cuidar do seu colesterol, da diabetes, da pressão. São fatores que vão tanto reduzir o risco de declínio cognitivo e demência quanto aumentar a expectativa de vida de uma pessoa. 

Mas, ainda assim, a gente segue esperando a pílula mágica...

Sim, esse são fatores protetores, mas ao mesmo tempo são de difícil implementação. Todo mudo sabe o que faz mal, mas a gente segue fazendo. Por exemplo, beber. Não existe dose segura de álcool, mesmo assim, grande parte da população segue bebendo em seus momentos sociais.

E isso é um problema se a gente começa a entender a saúde baseado em conteúdos das mídias sociais, no que é vendido como capaz de conter o envelhecimento. É uma porcentagem pequena que vem de informações de verdade. Temos muitas publicações que dizem "se você fizer isso, vai reverter o Alzheimer", "se comer isso, vai evitar o envelhecimento". Mas o que é feito com base em informação de verdade é uma parcela pequena.

Isso é complexo, porque ao mesmo tempo é uma informação passada de maneira simplificada, de uma maneira que as pessoas entendem. É um tipo de popularização do pensamento científico, mas muitas vezes sem embasamento. E é especialmente complicado para um idoso, que pode achar difícil entender porque alguém estaria mentindo nas redes sociais. Precisamos também pesquisar essa área e ajudar a prevenir desinformação de saúde.

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