"Sem propósito, a pessoa 60+ pode perder saúde física e mental", diz autora

Divulgação/Grupo Summus

Autora premiada no Jabuti Acadêmico por livro sobre envelhecimento fala sobre propósito de vida, aposentadoria e os riscos de não ter objetivos na maturidade - Divulgação/Grupo Summus
Autora premiada no Jabuti Acadêmico por livro sobre envelhecimento fala sobre propósito de vida, aposentadoria e os riscos de não ter objetivos na maturidade
Por Bianca Bibiano bianca.bibiano@viva.com.br

Publicado em 11/08/2025, às 07h39

São Paulo, 11/08/2025 - Para a fisioterapeuta, escritora e presidente da seccional do Paraná da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Cristina Cristóvão Ribeiro, envelhecer com qualidade vai muito além de planejar a aposentadoria: significa encontrar novas formas de se colocar no mundo.

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Premiação no último dia 5, que reconheceu livro sobre propósito de vida e envelhecimento (Crédito: Divulgação/ Prêmio Jabuti)

Autora e organizadora do livro "Propósito de vida da pessoa idosa: conceitos, abordagens e propostas de intervenções gerontológicas", que reúne 14 coautores especialistas, Ribeiro defende que os parâmetros atuais para a velhice precisam ser revistos.

No último dia 5, ela foi ganhadora do Prêmio Jabuti Acadêmico, no eixo ciência e cultura, com uma obra que apresenta relatos, estudos de caso, indicações de filmes e até uma escala para mensurar o propósito de vida e que pode ser usada como ponto de partida por qualquer pessoa para refletir sobre esse tema. 

Em entrevista ao Viva, a especialsita destacou que, embora viver até os 80 ou 90 anos não seja tão incomum na atualidade, muitas pessoas chegam à aposentadoria sem saber como preencher o tempo livre, o que pode levar à perda de motivação e ao adoecimento. "Ter um propósito mantém a pessoa engajada e conectada com o mundo, preservando a saúde física e mental."

A seguir, ela fala sobre como encontrar ou reinventar o propósito em qualquer fase da vida e o papel dos profissionais de saúde nessa jornada.

Viva: Em linhas gerais, o que é propósito de vida?

Cristina Cristóvão Ribeiro - Propósito é um senso de direção e intencionalidade. A pessoa que tem um propósito sente que possui metas a serem cumpridas, objetivos e motivação para projetos, tem ideia do que deseja fazer. Às vezes, isso vem desde a infância, com motivação para desafios; em outros casos, é algo construído mais tarde. A pesquisadora americana Carol Ryff, que cito no meu livro, define propósito como essa percepção de ter algo a realizar. Nas pessoas 60+, por exemplo, esse propósito pode ser uma viagem em grupo, mas que leva à busca de uma vida mais saudável, com preparação para isso, financeira e física. Trata-se de ter algo que mova, que gere satisfação.

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Qual a diferença entre ter propósito e ter obrigações na vida?

Obrigação é algo que precisa ser feito, mas que a pessoa não tem escolha, como entregar um trabalho ou preparar uma refeição. Já o propósito pode até estar atrelado a um senso de responsabilidade, mas não carrega o peso de uma obrigação imposta, não tem punição ou prejuízo. Ele é mais leve, ligado a afinidades e desejos. Os japoneses usam o termo ikigai como sinônimo de propósito de vida, de razão de viver. É algo que pode ser tão simples quanto cuidar de uma planta, cultivar um alimento ou fazer um trabalho manual, não é obrigação, pode estar ligado ao lazer e à ocupação com qualidade.

Por que é importante incentivar o propósito na vida na pessoa idosa?

Muitas pessoas passam a vida atendendo a demandas externas. Elas entram no trabalho para ter ganhos para pagar contas, outras, por pressão da sociedade, têm filhos, mesmo sem ter sonhado aquilo, mas não param para pensar no que realmente querem. Em muitos casos, é somente na aposentadoria, sem a obrigação do trabalho e com os filhos fora de casa, que a pessoa começa a pensar num propósito. Por isso, é importante saber que sem um propósito de vida nessa fase, há risco de depressão, de isolamento e até de suicídio. Esse tema é muito sério e ficamos felizes com a premiação por saber que as pessoas estão olhando para esse assunto também.

Qual é o impacto do propósito de vida para a saúde física e mental?

Quando temos um propósito, cuidamos mais da saúde, porque queremos estar bem para atingir aquele objetivo. Se a pessoa tem uma viagem, por exemplo, ela acaba se cuidando mais para chegar bem nesse momento, ela se dedica à saúde, vai na academia. O propósito de vida favorece também a adesão a tratamentos medicamentosos, à prática de exercícios e à preservação da saúde, a pessoa se preserva mais contra riscos.

O livro menciona que fatores como depressão, estresse e outras psicopatologias impedem uma pessoa de ter propósitos. Como incentivar aqueles que já se encontram nessas situações?

Nesses casos, é muito importante o trabalho multidisciplinar. Não é só uma área, mas sim uma equipe que vai ajudar, com uma hierarquia de importância para cada momento. O primeiro passo é a pessoa se dar conta do problema e procurar ajuda de um profissional de saúde, seja qual área for. Se a pessoa não percebe a necessidade, familiares e amigos devem ajudar, porque não é normal a pessoa ir envelhecendo e ficando triste. Muitas vezes ouvimos: "meu pai, ou meu avô, está tão quietinho, mas é normal da idade". Não é. E isso precisa ser esclarecido, a pessoa precisa de ajuda nesses casos, pois pode ser algo patológico. Procurando ajuda, é preciso ver qual tratamento será necessário. Em muitos casos, é preciso tratamento medicamentoso para estabilizar o organismo antes de trabalhar o aspecto psicológico. Depois, entra a atuação da equipe multiprofissional, com psicólogo, fisioterapeuta, educador físico, terapeuta ocupacional, ou quem for necessário para aquele momento, para estimular novos interesses e resgatar o sentido de vida.

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É diferente de apenas tentar motivar a pessoa, no sentido de buscar autoajuda?

Sim, depressão não é frescura, mas ainda tem esse conceito de mandar o idoso levantar da cama, mandar fazer um movimento.

Mas, às vezes, o organismo não está produzindo hormônios suficientes, a pessoa está doente, precisa de medicamentos para equilibrar taxas hormonais e taxas de neurotransmissores para que possa ter um respiro e então uma motivação. Aí, sim, entra o profissional, um psicólogo também. Eu tive uma paciente certa vez que tinha depressão, ela chegou pela fisioterapia. Ela já fazia atividades, mas vi que precisava mais do acompanhamento psicológico para conseguir mudar o modo de pensar, para depois entrar com ideias, sugestões e começar a ajudar na questão do propósito.   

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Ter propósito de vida na aposentadoria é um ponto importante do livro. Por que vocês deram enfâse nesse aspecto?

A aposentadoria marca muitas coisas. Marca uma fase em que a pessoa era produtiva, tinha um papel social, um papel laboral no trabalho. Era a "Dona Maria, da empresa tal", o "Seu João, encarregado de tal setor". Mas e depois que aposenta? Ainda continua sendo essa pessoa, mas sem este trabalho? Quantas pessoas não passam por esse questionamento? O que vai fazer, como vai ocupar aquelas 40 horas que antes eram de trabalho? A gente vê muito: a pessoa se aposenta e nos primeiros seis meses não quer saber de nada, não quer ter horário porque há anos ficou batendo ponto. Mas depois que ela tirou essas férias de seis meses, o que ela vai fazer? Porque aí acaba a rotina, que é algo que é muito importante para nós, mesmo não tendo uma ocupação. Ter um horário de acordar, um horário do exercício, de uma leitura, de um convívio social, um lazer, um trabalho voluntário. Se não tem essa rotina, a pessoa acaba se perdendo. Ela não faz nada, acaba o dia com aquela sensação de improdutivo.

Isso aos poucos pode gerar uma desmotivação, porque ela pode pensar 'antes eu tinha horário, minha rotina era regida por um trabalho e agora não tenho mais'. Essa falta de ocupação é muito importante, porque pode levar à depressão, especialmente se a pessoa não tem um grupo depois que se aposenta, muitas às vezes acabam ficando mais sozinhas.

Se a pessoa não teve o preparo para isso, é importante começar a ver coisas novas: o que gostaria de fazer e nunca fez e não tinha tempo? Agora há esse tempo. A aposentada pode ser um momento de descobertas, de ver coisas novas, de dizer 'eu não achei que eu ia gostar disso e agora gosto."

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Como os profissionais de saúde que atuam com pessoas idosas podem ajudar nessa transição? 

O profissional que atende a pessoa idosa precisa ter um olhar sensível para essa fase de vida, porque atrelado à aposentadoria vêm outros fatores. Por exemplo, na mulher vem também a menopausa, as mudanças hormonais. Do homem também, embora menos. Mesmo assim, a gente precisa ter esse olhar para a questão da aposentadoria, para mostrar que é possível fazer diferente, se descobrir, ter novos interesses. Outro ponto que devemos considerar é que ter aposentadoria não significa que a pessoa é idosa, há pessoas que estão se aposentando com 50 e poucos, e é só a partir de 60 anos que é idoso no Brasil. É importante olhar esse fato.

Em comparação, faço uma analogia com uma viagem. Quando a gente vai viajar, a gente se prepara para essa viagem, guarda um dinheiro, estuda sobre esse local, conversa com pessoas que foram a esse local, pessoas que já foram viajar e nos preparamos em termos físicos para estar melhor para essa viagem. É a mesma coisa com a velhice e a aposentadoria. A gente pode se preparar tendo uma reserva financeira, estando melhor fisicamente, conversando com pessoas que já estão passando por essa fase, são algumas coisas que a gente pode pensar.

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