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Por Denise Luna, da Broadcast
[email protected]Rio, 14/07/2025 - O setor de medicina nuclear voltou a alertar o governo sobre o risco de desabastecimento de radioisótopos e radiofármacos no País e suas consequências diretas para os milhares de pacientes em tratamento de câncer, cerca de 40 mil por semana. Em carta dirigida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outras autoridades, entidades que representam o segmento pedem ações urgentes diante da gravidade da situação.
O problema atinge pelo menos três insumos importantes para o tratamento da enfermidade: tecnécio-99m, lutécio e iodo, informa o presidente da Associação Nacional de Medicina Nuclear (Anaemn), Marcos Villela. Ele acrescenta que também está intermitente a importação do radionuclídeo molibdênio-99, usado na produção do gerador de tecnécio-99m, um dos principais medicamentos oncológicos que deveriam ser distribuídos semanalmente para os 485 serviços de medicina nuclear do País.
"Estão ocorrendo constantes desabastecimentos, falta de fornecimento, e não para uma região específica, mas para o Brasil inteiro desses produtos. Isso porque hoje só o Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) fornece para todo Brasil , para instituições públicas e privadas", afirma Villela.
Segundo ele, o fornecimento de lutécio, utilizado no tratamento de câncer de próstata e tumor neuroendócrino, chegou a ser interrompido por alguns meses, e o abastecimento de iodo, empregado em doenças relacionadas à tireoide, tanto benignas como no câncer dessa glândula, tem sido oscilante.
O principal gargalo apontado é o monopólio do Ipen, em parceria com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), único distribuidor dos insumos da medicina nuclear usados em mais de 80% dos exames no País. Além disso, no ano passado houve aumento de 41% no preço desses materiais, o que tem tornado inviável o atendimento dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) pelas clínicas particulares.
"O problema é que 92% dos pacientes do SUS são atendidos via convênios em clínicas particulares. Se o custo da clínica aumenta e a tabela do SUS não tem qualquer reajuste, o primeiro convênio que será cortado nas clínicas será o do SUS, tanto no interior como nas capitais", explica Villela.
Cancelamentos
Na avaliação da CEO da Uddo Diagnósticos, Beatriz Leme, que já sofreu cancelamentos de entregas nos últimos meses, a dependência do Ipen é um dos principais entraves, mas não o único. Atualmente, Rússia e Israel fornecem os insumos ao Ipen, contratados em licitações, e o acirramento dos conflitos nesses países prejudica ainda mais a regularidade do abastecimento, o que foi confirmado ao Broadcast pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
"Por diversas razões o Ipen não consegue fazer as entregas. Uma hora é verba, outra liberação na alfândega, outra o recebimento de material ruim. Tivemos cancelamento na guerra do Irã, porque Israel fechou o espaço aéreo, ou seja, é muita inconstância, não sabemos se amanhã vamos receber material", informa.
Para a executiva, que também é conselheira da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), a diversidade de agentes para importar os produtos ajudaria a solucionar o problema, assim como ampliar o leque de países fornecedores. "Durante dois anos tivemos excepcionalidade de importação por causa da Covid, mas isso caiu no ano passado e o mercado voltou a ficar instável. Se tiver qualquer problema no Ipen, estamos perdidos", explica.
Segundo Villela e Leme, a carta enviada ao governo nunca foi respondida. Ao Broadcast, o MCTI informou que, de acordo com a Cnen, até o momento não houve desabastecimento de radiofármacos produzidos pelo Ipen para clínicas e hospitais em todo o País.
"O prolongamento do conflito entre Rússia e Ucrânia tem dificultado e encarecido o transporte aéreo. Ainda assim, a Cnen tem absorvido esses custos. A parceria com produtores internacionais de radioisótopos - como Rússia, África do Sul e, em breve, a Argentina - tem contribuído para a construção de rotas logísticas alternativas", informou.
O ministério admitiu, no entanto, que o recente confronto entre Israel e Irã impactou, em seu auge, a importação de radioisótopos israelenses, mas que a Cnen e o Ipen buscaram novos fornecedores para garantir a continuidade do abastecimento.
"Em relação às demandas junto à Anvisa, a Cnen colocou-se à disposição para acompanhar a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear e Imagem Molecular (SBMN) e a Associação Nacional de Empresas de Medicina Nuclear (Anaemn) nas reuniões que forem agendadas, com o objetivo de colaborar na busca de soluções para os pleitos apresentados", disse o MCTI.
Já quanto às questões orçamentárias, o MCTI tem sido informado pela Cnen sobre as necessidades do Ipen e atua para viabilizar os recursos indispensáveis ao instituto.
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