Entenda o mais recente projeto do governo para limitar o poder das big techs
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Por Emanuele Almeida e Bárbara Ferreira
redacao@viva.com.brSão Paulo, 18/12/2025 - O avanço das regras econômicas para plataformas digitais, ou big techs, voltou às discussões do planalto com o envio do Projeto de Lei (PL) nº 4.675/2025 pelo Governo Federal em setembro. A proposta, elaborada pelo Ministério da Fazenda, busca dar ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) novos poderes para garantir uma concorrência justa no mundo digital.
Na prática, o PL propõe uma reforma significativa no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). O foco central é permitir que o Cade atue preventivamente sobre grandes plataformas digitais, em vez de apenas punir abusos depois que eles ocorrem. Dessa forma, a pasta ganha o poder de definir regras mercadológicas especiais, mas apenas para empresas de tecnologia relativamente grandes do mercado.
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O texto exige ajustes obrigatórios para negócios "sistemicamente relevantes", ou seja, aqueles com faturamento acima de R$ 5 bilhões no Brasil ou R$ 50 bilhões no mundo e que possuam grande influência no setor. O objetivo é evitar o abuso de poder econômico.
Algumas das regras descritas no projeto de lei são:
- Transparência: obrigação de divulgar critérios de ranqueamento (por que um produto aparece antes do outro em buscas), termos de uso e estrutura de preços de forma clara;
- Fim do auto-favorecimento (self-preferencing): proibição de favorecer seus próprios produtos ou serviços em detrimento dos concorrentes dentro de plataformas como redes sociais e mecanismos de buscas;
- Interoperabilidade e portabilidade: obrigação de permitir que sistemas de cada empresa conversem entre si e oferecer ferramentas gratuitas para que o usuário transfira seus dados para outra plataforma;
- Permitir que o usuário desinstale aplicativos pré-instalados e altere configurações padrão;
- Obrigação de submeter ao Cade qualquer compra de outra empresa, independentemente do faturamento da empresa comprada, fechando a brecha das "aquisições assassinas" (compra de startups pequenas para matar a concorrência futura).
Uma vez designada como relevante, a empresa não sofre automaticamente todas as restrições. O Cade abrirá um processo específico para determinar quais obrigações se aplicam àquele caso concreto.
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Segundo a economista Anna Olímpia, da LCA Consultores, essa discussão ganhou força na Europa quando as leis vigentes não conseguiram acompanhar a velocidade da tecnologia. “Surgiu uma oportunidade para criar regras preventivas, em vez de agir apenas depois que uma compra de empresa ou uma prática prejudicial já aconteceu”, afirmou.
Os Estados Unidos, sede das maiores empresas do setor, ainda não avançaram com projetos semelhantes. Para Olímpia, há um debate intenso sobre a necessidade de uma nova lei ou se as regras atuais contra monopólios, que já condenaram o Google, por exemplo, seriam suficientes.
No Brasil, o projeto foi elaborado após uma consulta pública para entender as falhas do mercado nacional. Segundo Olímpia, a proposta de 2025 muda a lógica tradicional do setor. “O modelo antigo foca apenas na eficiência e no bem-estar imediato do consumidor; a nova proposta olha para o funcionamento do mercado como um todo”, explicou.
Proposta ainda pode melhorar
Para o advogado especialista em direito concorrencial Aurélio Marchini, do escritório Marchini Botelho Caselta Della Valle Advogados, o projeto é positivo e inovador, diferenciando-se até de modelos europeus. A grande novidade seria permitir ao Cade criar regras específicas para cada caso, analisando empresa por empresa.
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No entanto, o especialista alerta que o texto precisa de ajustes para ser mais eficaz e seguro juridicamente. O ponto mais criticado é o valor usado para definir quais empresas serão fiscalizadas. O projeto sugere o faturamento anual de R$ 5 bilhões como ponto de partida.
"Parece muito, mas para essa indústria não é. As principais empresas faturam muito mais que isso", alerta Marchini. Para comparação, o Google faturou cerca de R$ 558 bilhões apenas no terceiro trimestre deste ano, enquanto a brasileira TOTVS faturou R$ 1,5 bilhão no mesmo período.
Marchini compara o valor com o mercado europeu, onde o limite é cerca de seis vezes maior. O risco, segundo o advogado, é sobrecarregar o Cade com empresas menores, tirando o foco dos verdadeiros gigantes do setor. Além disso, ele defende que a lei deve deixar claro quais princípios guiarão essas novas regras, para garantir que as empresas tenham segurança para investir.
Apesar das críticas, o advogado acredita que o projeto pode avançar rápido no Congresso, por ser um tema menos polêmico do que a moderação de conteúdos e redes sociais.
Anna Olímpia destaca que a proposta encara as big techs como "ecossistemas", e não apenas como empresas que vendem um produto isolado. "A principal inovação é entender como os diferentes serviços de uma mesma empresa influenciam uns aos outros", explica. Para a economista, a flexibilidade da proposta brasileira ajuda a manter o País atrativo para investimentos.
Próximos passos
O projeto de regulamentação concorrencial das big techs aguarda uma decisão da Câmara dos Deputados para tramitar em regime de urgência. Para Aurélio Marchini, os ajustes necessários — como o aumento do limite de faturamento e regras mais claras — podem ser feitos rapidamente, permitindo uma lei que proteja a inovação e o mercado brasileiro.
Outros projetos
O PL nº 4.675/2025 não é o único que pretende frear o avanço sem regras das big techs no país. O PL 2331/2022 é, ou "PL dos streamings", visa regulamentar plataformas como Netflix e Amazon Prime Video no Brasil, exigindo que elas invistam em conteúdo nacional, paguem uma taxa para a indústria audiovisual, chamada Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), e cumpram obrigações da Agência Nacional do Cinema (Ancine).
O objetivo é fomentar o audiovisual brasileiro e taxar grandes faturamentos. O projeto foi aprovado no Senado e na Câmara, com texto final ainda em discussão para sanção presidencial.
Projetos que buscam regular a ação mercadológica das big techs passaram com maior facilidade pelo Congresso Nacional, diferentemente de projetos como o PL das Fake News (nº 2630/2020), que pretende regulamentar a atuação de grandes plataformas digitais como redes sociais e aplicativos de mensagem para combater a desinformação, proteger crianças e adolescentes e responsabilizar provedores por conteúdos falsos ou ilegais. O projeto já foi aprovado pelo Senado, mas ainda está em análise na Câmara dos Deputados desde o ano passado — a falta de consenso impede que ele avance.
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