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São Paulo, 26/09/2025 - Na preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e vestibulares, a máxima de que "estudar por mais tempo" equivale a "aprender mais" nem sempre é verdade. Estratégias para tornar os estudos mais eficientes e para melhor retenção do conteúdo estudado podem ser mais importantes do que passar horas na frente de um livro, sem necessariamente estar "absorvendo" toda a matéria.
O primeiro passo para montar uma rotina de estudos adequada é entender como o cérebro aprende e quais métodos funcionam individualmente para cada estudante, segundo a neuropsicóloga Maria Maia. "Muitas vezes, a produtividade que os estudantes buscam não está em mais horas de dedicação, mas sim nos momentos de descanso e nas técnicas que são negligenciadas", afirma.
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Aliado ao conhecimento científico, a inteligência artificial (IA) é uma das ferramentas que podem ser usadas para otimizar os estudos - mas muitos estudantes estão usando da forma errada. Longe de ser uma solução mágica que substitui o esforço, existem formas de usar a IA para "aprender melhor" sem que ela "pense por você".
1. Ambiente de estudos favorável
Começando com o básico, para um estudo focado é preciso preparar um ambiente que sinalize ao cérebro que é hora de se concentrar. Segundo Maia, o cérebro "adora" associações, e utilizar estímulos multissensoriais pode ser muito eficaz.
O estudante pode criar "gatilhos de concentração" que sinalizam que "é hora de estudar", como por exemplo sempre acender uma vela de um aroma específico, como a lavanda, ou colocar uma música instrumental, como as ondas bineurais.
É fundamental também eliminar as distrações, inclusive desativando as notificações do celular e deixando-o em outro cômodo.
2. Bloqueie horários fixos para estudar
A consistência é uma das chaves para o aprendizado, e o cérebro humano é "obcecado por rotina", explica Maia. Estabelecer e bloquear horários fixos para os estudos ajuda o cérebro a se preparar para a atividade, tornando o processo de concentração mais previsível e menos custoso, encaixando esse momento como uma atividade fixa da rotina do vestibulando.
Para isso, é preciso de autoconhecimento para identificar o horário de maior produtividade - seja antes de ir para a aula ou depois dela -, o que pode significar testar diferentes horários para ver em qual deles se sente mais disposto.
A neuropsicóloga lembra ainda que não é preciso dedicar mais do que 3 a 4 horas para estudar em um mesmo dia. Esse período pode ser dividido em duas a três sessões ao longo do dia.
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3. Pausas rápidas e pausas longas
Estudar por horas a fio sem interrupção é uma ilusão de produtividade, diz a neuropsicóloga. O cérebro funciona em ciclos ultradianos, com duração de 90 a 120 minutos. Após esse período, a capacidade de retenção de novas informações diminui drasticamente. Por isso, é essencial organizar os estudos em blocos de 1h30 a, no máximo, 2h, e fazer pausas longas, de 20 a 30 minutos, a cada bloco.
Nesses intervalos, os estudantes devem realizar atividades que não envolvam telas, como caminhar ou se exercitar, permitindo que o cérebro descanse e se recupere.
"Depois de 120 minutos, a retenção do seu cérebro diminui drasticamente, você está ali só por estar, porque para realmente codificar a memória, entender, interpretar aquele material precisa de uma pausa", afirma. "Mais do que isso, direto, é um pouco irrealista para o seu cérebro".
Além das pausas longas, os estudantes também podem fazer pausas curtas, de alguns minutos, durante os blocos de estudos. Essas pausas devem ser momentos de inatividade mental.
"Paradas curtas é você parar e olhar para o teto ou fechar os olhos, não é pegar o celular e ficar rolando o feed", diz Maia. "É um tempo para o cérebro 'digerir' o conteúdo, como se estivesse 'mastigando aquela informação', antes de seguir para o próximo tópico".
4. Resumos escritos à mão
Apesar de parecer mais prático fazer resumos no computador ou simplesmente grifar o texto, a ciência mostra que o método tradicional é mais eficaz. Escrever à mão é superior porque alia o ato mecânico da escrita ao processo intelectual da memorização ativando mais áreas do cérebro e, consequentemente, fortalecendo o aprendizado, explica Maia.
Esse fenômeno é conhecido como cognição incorporada, que demonstra como nosso corpo e nossas ações físicas estão diretamente ligados aos nossos processos cognitivos. Quanto mais áreas do cérebro são ativadas durante o aprendizado, mais ele entende que aquela informação é importante e deve ser guardada.
5. Troque os post-its por flashcards
Apesar de populares, os post-its espalhados pela parede com fórmulas e conceitos não são uma técnica de memorização eficaz, afirma Maia. Quando a informação está sempre visível e disponível, o cérebro não se esforça para guardá-la, ela explica.
Uma alternativa mais eficiente são os flashcards - cartões físicos ou digitais com uma pergunta num lado e a resposta no outro, usados para testar a memória e auxiliar na fixação de conteúdos que forçam o cérebro a resgatar a informação ativamente.
"Ao ver um conceito na frente do cartão e ter que lembrar da resposta no verso, o cérebro entende que precisa se esforçar para resgatar aquele conteúdo, o que fortalece a memória a longo prazo", explica a neuropsicóloga.
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6. Recordação ativa: teste seu conhecimento
A recordação ativa é um dos métodos com maior embasamento científico para a memorização, segundo Maia. Em vez de simplesmente reler o material de forma passiva, a técnica consiste em testar ativamente o cérebro, forçando-o a "puxar" a informação da memória. Isso pode ser feito por meio de flashcards, respondendo dúvidas de colegas e resolvendo exercícios ou simulados.
O esforço de lembrar é o que consolida o aprendizado. Revisar o conteúdo por meio de testes constantes faz com que o cérebro entenda que aquela informação é útil e precisa estar acessível. "O nosso cérebro não entende que a informação é importante se está pronta para ele ou porque nós a relemos várias vezes, mas porque a gente faz ele lembrar", afirma a especialista.
7. Banque o 'professor'
Ensinar o conteúdo estudado para outra pessoa - ou até para você mesmo, no espelho - também é uma das formas mais eficientes de aprender e fixar as informações. Para isso, explique a matéria em voz alta, como se a pessoa ouvindo não soubesse do que se trata.
Ao verbalizar o conteúdo, naturalmente identificamos as lacunas de conhecimento, isto é, as informações que ainda não estão totalmente claras e consolidadas. Além disso, o ouvinte pode fazer perguntas que forçarão o estudante a pensar e a aprofundar seu entendimento sobre o tema.
8. Formatos diferentes, estímulos diferentes
Consumir conteúdos em formatos diferentes é bom porque enquanto alguns absorvem melhor as informações a partir da leitura, outros prestam mais atenção em vídeos ou áudios. "O estudante precisa entender qual é a forma que o seu cérebro mais gosta de aprender", diz Maia.
Além disso, diversificar os formatos ajuda a consolidar o aprendizado ao ativar mais áreas do cérebro. "Quanto mais eu diversifico as formas como eu processo e acesso os conteúdos, melhor é para o foco e a memorização", explica a pedagoga e psicóloga Daniela Ramos, professora de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Um recurso recomendado é a leitura guiada, que ajuda a manter o foco por ter duas fontes de estímulo - a visualização e a audição.
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9. Troque o energético por café
A cafeína aumenta o estado de alerta, atenção e desempenho cognitivo, e está presente tanto no café quanto no energético. Este último, porém, além de industrializado, é mais concentrado, e seu efeito é mais rápido, o que, segundo a neuropsicóloga, pode levar à dependência, fazendo com que outras fontes de energia, como o próprio café, percam o seu efeito. Muitos energéticos contêm ainda alto teor de açúcar, além de terem maior risco cardiovascular.
Já o café é um produto natural, portanto mais saudável, e seu efeito é sentido de forma mais lenta, o que é melhor para o organismo, segundo a profissional. Vale lembrar, contudo, que mesmo o café em excesso é prejudicial, podendo causar ansiedade, insônia, palpitação e, em algumas pessoas, desconforto gastrointestinal.
"Eu diria, não tome energético. Se possível, nunca. Se não for uma vez a cada 15, 30 dias, quando for imprescindível. Mas eu não acredito que exista uma situação onde é imprescindível", avalia.
10. Intercale os assuntos
Pode parecer contraintuitivo, mas alternar entre diferentes matérias durante uma sessão de estudo, em vez de focar por horas em um único assunto, pode ajudar na retenção das informações. Essa alternância desafia mais o cérebro, tornando-o mais ativo e melhorando a memorização a longo prazo.
Também é produtivo revisar os assuntos com maior frequência, em vez de estudar "tudo de uma vez" e partir para a próxima matéria.
"Alternar entre a leitura, a matemática, a gramática, em vez de focar por horas seguidas em apenas um, é super contraintuitivo, mas o nosso cérebro funciona melhor assim, porque ele se sente mais desafiado, ou seja, ele é mais ativado e isso melhora a retenção", explica Maia.
11. Cuidado com o sistema de recompensas
Usar o sistema de recompensas - como por exemplo "se eu cumprir com o planejamento de estudos de hoje posso assistir a um filme mais tarde" - pode funcionar para parte dos estudantes, mas deve ser usado com cautela, alerta Maia. Para algumas pessoas, isso pode ser uma forma de se punir, atrapalhando a confiança e a autoestima.
"Estudantes, vestibulandos especificamente, são pessoas muito rápidas para se punir e julgar que não estão fazendo o suficiente. A sua vida não se resume aos seus estudos, ela está acontecendo independentemente da quantidade que você consegue estudar", diz a neuropsicóloga.
"Muitos pensam: 'não estudei, portanto eu não vou fazer o meu esporte'. Aí ele fica mal e no celular, o que é pior, sendo que talvez o seu esporte te ajude a querer estudar. Então, não seja tão duro consigo", completa.
Ela explica ainda que o comportamento autopunitivo não funciona. "A gente não aprende por punição, aprendemos por recompensa", diz. "É melhor você comemorar que você estudou do que se punir por não ter estudado".
12. Manejo do estresse e ansiedade
Para manejar o estresse e a ansiedade, sentimentos comuns na fase do vestibular, uma boa noite de sono, alimentação saudável e prática de atividades físicas são muito importantes, mas frequentemente negligenciados nesse período, sob o argumento da falta de tempo.
"O sono é muito importante para o processo de memorização, enquanto dormimos processamos (as informações aprendidas), o que auxilia na memória. E a alimentação saudável e a atividade física ajudam bastante na saúde mental, para que possa ter uma boa aprendizagem", diz Ramos, que pesquisa aspectos didáticos do processo de ensino e aprendizagem.
Ela cita ainda a importância de equilibrar momentos de descanso e distração com a disciplina dos estudos. Aliado a isso, psicoterapia e meditação também ajudam a ficar mais centrado, com maior clareza mental e equilíbrio emocional, favorecendo tanto o bem-estar quanto o desempenho nos estudos.
"Se estiver tendo uma crise de estresse crônico, uma crise de pânico, por exemplo, segurar água gelada no céu da boca ou gelo nas mãos, com cuidado para não queimar, é uma boa opção. A sensação do gelado ativa um nervo responsável pela nossa resposta de fuga", explica Maia.
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13. IA como 'assistente pessoal'
A inteligência artificial pode ser uma grande aliada, desde que usada de forma estratégica, e não como uma ferramenta para "pensar por você".
A recomendação de Maia é tratar a IA como uma assistente para tornar mais fácil aplicar as outras estratégias, por exemplo: pedindo para o chat criar questionários a partir de um resumo que o estudante mesmo elaborou - forçando, assim, a recordação ativa -, em vez de pedir para a ferramenta resumir um texto para ele. "Não gosto que a IA pense por mim. Isso mata o meu estímulo pro meu cérebro", pontua a psicóloga.
Outros usos da IA incluem pedir sugestões de conteúdos relacionados em formatos diferentes (como podcasts ou vídeos) ou até mesmo perguntar "o que está faltando neste resumo que eu fiz?" para identificar lacunas no seu conhecimento. A chave é usar a tecnologia para otimizar e aprofundar seu próprio processo de aprendizado, e não para terceirizá-lo.
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