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Por Paula Bulka
[email protected]São Paulo, 23/05/2025 - Quase dois anos depois do fim do Desenrola Brasil, programa do governo federal destinado à renegociação de dívidas, uma parcela dos aposentados segue endividada ou superendividada.
Francisco*, de 68 anos, trabalhou a vida toda como motorista de ônibus. Desde 2005, ele vive exclusivamente dos rendimentos da aposentadoria, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ao contrair um empréstimo consignado para ajudar a filha a comprar uma casa, o ex-condutor entrou para as estatísticas dos superendividados no País. Ele aponta que mesmo na situação em que se encontra agora, ainda recebe ofertas de crédito. "Os bancos precisam alertar mais a gente. Ainda me mandam mensagens dizendo que já tenho uma margem de crédito, isso é terrível”, afirma.
O economista Lauro Gonzalez aponta que o empréstimo consignado em si, não causa o superendividamento. O problema está quando a modalidade soma-se com outras oferecidas a juros baixos e dívidas preexistentes. “O fato de haver um desconto em folha, de um fluxo de risco muito baixo e com a possibilidade de renovação, é o que tornou o consignado atrativo e uma boa opção para os brasileiros. Só que esse modelo foi se desvirtuando ao longo do tempo. O que era o mercado de nicho se tornou uma das principais modalidades de consumo no Brasil”, diz Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV/ EAESP.
O levantamento mais recente, divulgado em 2023 pelo Banco Central do Brasil (BC), estima mais de 15 milhões de pessoas categorizadas como endividadas de risco, o que representa 14% da população tomadora de crédito do Sistema Financeiro Nacional. Em fevereiro, o comprometimento de renda dos brasileiros atingiu a marca histórica de 27,2%, maior nível registrado desde julho de 2023, no início do Desenrola.
Gonzalez avalia que a fase 2 do programa - destinada à renegociação de dívidas de pessoas não incluídas no CadÚnico - não teve o êxito esperado.
Muitas pessoas conseguiram renegociar as suas dívidas na primeira fase, mas a ação como um todo não atacou as causas estruturais do superendividamento, apenas promoveu melhorias de curto prazo ao mercado de crédito.
Ele explica que o endividamento no Brasil é multifatorial – depende de questões macroeconômicas, como taxas de juros elevadas, baixa renda familiar, desemprego e inflação; de questões como baixa educação financeira e das condições deoferta de crédito. “Podemos dizer que, passado aqui um tempo que o programa Desenrola acabou, o superendividamento persiste no Brasil, de forma alarmante”, diz Gonzalez.
Atualmente, os aposentados e pensionistas podem consumir até 45% da renda mensal com empréstimos consignados, sendo 35% pessoal, 5% para cartão de crédito e 5% para cartão de benefício, segundo a lei nº 14.431/2022.
Além disso, há o Crédito do Trabalhador, para trabalhadores do setor privado, no limite de até 35% do salário. Aliás, o aumento do comprometimento da renda familiar dos brasileiros é um ponto de atenção do Banco Central, como consta na ata do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada na semana passada.
Em 2024, foram concedidos pelas instituições financeiras R$ 91,9 milhões em empréstimos consignados, com desconto na folha de benefícios do INSS – 16,7% a mais do que no ano anterior. O primeiro trimestre de 2025 já soma 26,6 milhões de empréstimos.
A partir desta sexta-feira, 23, cada nova operação, renovação ou portabilidade de crédito consignado para beneficiários do INSS exigirá o desbloqueio por biometria facial nos canais oficiais do instituto. O anúncio atende uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) de junho de 2024, que visa proteger os beneficiários de fraudes e descontos indevidos na folha. As parcelas de empréstimos em andamento seguem com desconto desbloqueado, mas sem a possibilidade de renovação automática.
O advogado Marcos Poliszezuk, sócio fundador do Poliszezuk Advogados, recomenda aos aposentados cautela na hora de aceitar uma proposta de empréstimo. “É preciso haver uma real necessidade. As pessoas não podem ser impulsionadas pelo simples consumo. Sem dúvida, (o crédito) é uma excelente oportunidade para aqueles que não estão endividados, em caso de alguma despesa emergencial”.
Com o fim do Desenrola, o primeiro passo para o superendividado é procurar o judiciário para reunir todas as dívidas. A partir disso, será aberto um processo de renegociação com os credores. “Tudo vai depender sempre da interpretação do magistrado, se ele vai entender que isso é o mínimo existencial para aquela pessoa sobreviver. Então, tem todo esse caminho a ser percorrido”, explica o jurista.
Não há previsão para novas edições do Desenrola tradicional. Em fevereiro deste ano, começou o Desenrola Rural, com a proposta de renegociar as dívidas de agricultores familiares e cooperativas de agricultura familiar. O objetivo é facilitar o acesso a créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
*O nome real foi alterado para proteger a identidade da fonte.
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