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Por Circe Bonatelli, da Broadcast
[email protected]São Paulo, 24/07/2025 - Com a escalada dos juros e a grande quantidade de obras em fase de entrega, as incorporadoras do setor de médio e alto padrão (acima de R$ 500 mil por imóvel) estão diante de dificuldades crescentes para concluir as vendas e repassar os clientes ao financiamento bancário após a entrega das chaves, momento em que recebem a maior parte pelo imóvel negociado na planta.
Na visão de agentes de mercado, a situação tende a colocar pressão no fluxo de caixa das empresas, caso os repasses fiquem mais demorados, ou até mesmo exigir algum tipo de negociação para evitar distratos.
A taxa de juro média do crédito imobiliário no Sistema Financeiro da Habitação (SFH) subiu de 10,7% na metade 2024 para 12,5% na metade de 2025, de acordo com o Banco Central. Na prática, isso se traduz em uma parcela maior do financiamento, reduzindo o poder de compra da população. Por exemplo: a parcela de um imóvel de R$ 700 mil passa de R$ 4,4 mil por mês para R$ 5,3 mil com essa nova taxa de juros (valores considerando financiamento de 70% do valor pelo prazo de 30 anos).
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"As incorporadoras vão ter que lidar com clientes que não conseguirão financiamento. Compraram o imóvel na planta, e o juro subiu bastante até a entrega da chave", aponta o sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, Rafael Carlos. "Qual vai ser a solução para esse tipo de cliente? É um grande ponto de interrogação", questiona.
O repasse tende a ser mais difícil para as incorporadoras que financiaram a obra por meio do mercado de capitais na comparação com aquelas que tomaram crédito bancário. Isso porque, na hora do repasse, os bancos tendem a priorizar o atendimento ao consumidor da obra que eles mesmos já financiaram. "Isso gera um risco adicional no repasse para a incorporadora que se financiou via emissão de um CRI (Certificado de Recebível Imobiliário)", estima o diretor da Alvarez & Marsal, Caio Brihy. "Esse cliente vai ficar para trás na fila".
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Para os analistas Carlos Peyrelongue e Carla Graça, do Bank Of America, a situação pode forçar algumas incorporadoras a conceder um desconto para garantir a efetivação das vendas. "Estamos observando um cenário difícil, visto que os níveis de estoque de imóveis no segmento de renda média e alta seguem elevados, e devem enfrentar picos de entrega nos próximos meses, em meio a pioras no poder de compra. Isso pode levar a políticas de desconto nos preços, pressionando as margens das empresas", descrevem, em relatório do banco.
O sócio-diretor da incorporadora Plaenge, Alexandre Fabian, admite que o repasse tem ficado mais difícil nos últimos meses, após a subida dos juros. A incorporadora atua em várias capitais e cidades do interior, como Campo Grande, Cuiabá, São Paulo, Curitiba e Londrina, onde fica sua sede. "A régua do banco está subindo, e o repasse está ficando mais difícil", relata. "Nós vemos que o nível de distrato ainda é muito baixo, mas está subindo."
Para esses casos mais difíceis, a Plaenge tem oferecido como alternativa ao cliente migrar para um apartamento menor, que caiba no bolso, ou ser transferido para outro imóvel de porte semelhante que ainda esteja na planta. "Na prática, esse cliente está ganhando um alongamento do prazo para pagar. E quando chegar na nova data de entrega das chaves, a parcela de financiamento será menor", explica Fabian. A Plaenge vem cobrando o pagamento de um porcentual maior até a entrega das chaves nas novas vendas. O novo normal é quitar de 40% a 50%. Antes eram 30%.
O Líder de Securitização da Opea, Lucas Drummond, acredita na tendência de as incorporadoras pedirem um pagamento maior na fase de obra. "Começamos a observar um aumento na dificuldade do repasse, especialmente nos casos em que houve pagamento de 25% a 30% no pré-chaves. Essa tabela vem subindo para 35% a 40% para ter uma chance maior de sucesso lá na frente na hora do repasse", observa.
O juro mais alto já gerou impactos nos negócios envolvendo imóveis de médio e alto padrão, acima de R$ 500 mil. Os lançamentos no primeiro trimestre caíram 22,3% em relação ao mesmo período do ano passado, para 4,5 mil unidades, enquanto as vendas encolheram 24,5%, para 8,1 mil.
Por outro lado, as entregas de obras subiram 15,3%, chegando a 6,1 mil unidades. Os distratos representaram 14,1% das vendas, aumento de 3,4 pontos porcentuais. Os números são da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). A pesquisa leva em conta uma base de dados de 20 empresas.
Apesar de todas as dificuldades, o setor está resiliente e não deve passar por uma explosão de distratos, na avaliação do presidente da Abrainc, Luiz França. "Houve uma grande valorização no preço dos imóveis nos últimos anos. Quem comprou imóvel na planta não tem incentivo a distratar", pondera, lembrando que no auge da crise da década passada, os distratos se aproximaram de 50% das vendas. Hoje, está bem longe disso, como mostra a pesquisa.
O presidente da Abrainc destaca ainda que os bancos estão priorizando a destinação dos recursos para financiar as pessoas físicas que fizeram compras de imóveis na planta em vez de destinar os recursos para obras de novos empreendimentos. Essa medida é considerada acertada, pois ajuda a garantir a continuidade dos repasses, indica França.
"Entre janeiro e maio de 2025 tivemos um aumento de 11% na concessão de crédito para pessoa física em relação ao mesmo período do ano passado. O funding SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) será priorizado a pessoa física justamente para dar conta das entregas. Não há problemas de falta de funding, e o custo maior das taxas pode ser diluído no maior prazo de financiamento", avalia.
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