Como a alta dos juros tem impulsionado conflitos entre sócios de empresas
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Por Márcia De Chiara, da Broadcast
redacao@viva.com.brSão Paulo, 07/12/2025 - O velho ditado popular “em casa que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão” também se aplica a empresas. Nos tempos atuais, em que a taxa básica de juros, de 15% ao ano, está no maior nível em duas décadas, também está nas alturas o volume de demandas judiciais de dissolução parcial de empresas, quando um dos sócios quer sair, mas os outros querem continuar no negócio.
Um estudo nacional feito pelo do escritório Schiefler Advocacia, com base em dados compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos fóruns, mostra uma forte relação entre o sobe desce dos juros e as disputas entre sócios.
O número de novas demandas de dissolução de sociedade praticamente dobrou entre 2020 e 2022, passando de 5.170 para 10.479 casos, período em que a Selic subiu de 4,25% para 13,75% ao ano, aponta o levantamento.
Em 2023, quando a taxa básica de juros recuou para 11,75% ao ano, a quantidade de pedidos de dissoluções também diminuiu, chegando a 8.144 ações.
No entanto, com a retomada da alta dos juros em 2024 (para 12,25% ao ano) e 2025 (15%), as novas demandas voltaram a crescer. Atingiram 8.663 em 2024 inteiro. Até outubro de 2025, os pedidos de dissolução parcial já somam 9.518, superando em quase 10% o total de demandas do ano fechado de 2024.
O cenário de crédito restrito, endividamento crescente e margens apertadas vem testando não apenas a saúde financeira das companhias, mas também a solidez das relações entre sócios e a qualidade da governança corporativa, na avaliação de Caetano Fabrini, especialista em solução de conflitos societários.
“Esse ambiente propício à crise financeira interna das companhias também favorece disputas: sócios entram em conflito por causa de aportes, responsabilidades, decisões de venda ou cisão e uma governança fragilizada. O crescimento desses litígios deve ganhar destaque nos tribunais e câmaras de arbitragem nos próximos trimestres”, prevê.
Lucas Affonso, coordenador da área de direito empresarial do escritório e responsável pelo levantamento, diz que a correlação entre a Selic mais alta e os litígios societários existe porque as empresas acabam se endividando mais e isso gera uma situação de desgaste entre os sócios.
Eles brigam, um quer sair da empresa e acaba levando a demanda para o Judiciário. “Esse pode ser um dos fatores que acabam pesando no aumento de pedidos de dissoluções.”
Affonso acrescenta que Selic também influencia na forma da avaliação da empresa. Muitas vezes, pelo fato de a Selic estar elevada, a empresa acaba valendo mais. E o sócio quer sair da sociedade para receber sua parte e embolsar mais dinheiro.
Apesar de não dispor de dados sobre a decisão final sobre essas demandas judiciais, isto é, quantas realmente acabam resultando na saída dos sócios, Affonso diz que geralmente o desfecho acaba sendo esse.
Litígio societário
Quanto ao perfil das companhias nas quais o litígio societário é mais frequente, geralmente são empresas limitadas e do setor varejista. Empresas limitadas são aquelas nas quais as dívidas estão restritas ao capital social da companhia. “Em caso de dívidas, os sócios não respondem com o seu patrimônio pessoal”, diz Affonso.
O levantamento não separou o número de litígios societários pelo tamanho das empresas nem os setores. Pela atual conjuntura e pelos casos que já são públicos, na avaliação de Fabrini, o comércio varejista é um dos segmentos que concentram maior volume de litígios societários.
Quando o juro sobe, há impactos no setor em três frentes. O financiamento dos produtos encarece, o serviço da dívida aumenta, e o consumidor sente o peso do crédito mais caro, o que inibe as vendas parceladas, prática comum no varejo brasileiro.
“É um efeito dominó”, compara o consultor. As pessoas compram menos, os estoques aumentam, o caixa aperta, e a pressão interna entre sócios e gestores cresce. “Quando o mercado aperta, decisões difíceis precisam ser tomadas. É justamente nesses momentos que surgem conflitos societários sobre estratégias, cortes, rumos do negócio e priorização de recursos.”
Ele cita como exemplo grandes grupos varejistas que enfrentaram crises agravadas por cenários de juros elevados. A Casas Bahia passou por forte reestruturação operacional e financeira após períodos prolongados de consumo fraco, custo alto e endividamento elevado, exemplifica o consultor.
O Grupo Pão de Açúcar é outro que passou por desafios relevantes, incluindo perda de valor de mercado e necessidade de reorganização estratégica, processos que tendem a acentuar tensões internas, aponta.
A Tok&Stok, do segmento de móveis e decoração, enfrentou dificuldades financeiras que levaram a renegociações com credores e ajustes na operação. “Neste caso, o conflito societário se transformou numa das disputas mais complexas da atualidade.”
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