Facebook Viva Youtube Viva Instagram Viva Linkedin Viva

Falta de recursos pode estar por trás de abandono de idosos em hospitais

Tomaz Silva/Agência Brasil

No  Brasil, especialistas dizem que a falta de recursos está entre os principais motivos do abandono de idosos em hospitais - Tomaz Silva/Agência Brasil
No Brasil, especialistas dizem que a falta de recursos está entre os principais motivos do abandono de idosos em hospitais
Marcel Naves
Por Marcel Naves marcel.naves@viva.com.br

Publicado em 01/12/2025, às 08h00

São Paulo, 01/12/2025 - Embora poucos e menos frequentes este ano do que em 2024, o número de registros de abandono de pessoas idosas em hospitais públicos preocupa agentes de saúde. Não só pelo fato de o abandono em si ser considerado crime, mas também pela observação de que, na grande maioria dos casos, os parentes desses velhos abandonados não têm condições econômicas para sustentá-los em casa.
Famílias de melhor poder aquisitivo eventualmente conseguem pagar mensalidades na casa de R$ 7 mil para cuidar de seus pais ou mães em casas de apoio particulares. Já quem vive de renda mais baixa e salário mínimo mal dá conta de pagar a farmácia desses parentes.
Leia também: Asilo com suspeita de óbitos é fechado no Rio de Janeiro
Dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) revelam que entrejaneiro e novembro de 2025 foram registradas 641 denúncias de abandono de idosos em hospitais públicos. O número, que apesar de ser inferior ao mesmo período do ano passado, com cerca de 734 casos, segundo especialistas indica uma situação preocupante.Estado de São Paulo lidera o ranking com 133 denúncias, seguido por Minas Gerais com 88 e o Rio Grande do Sul, com 52 queixas
Leia também: Lei aumenta pena para abandono de idosos; saiba quantos anos de prisão


O que fazer quando se constata o abandono?

A coordenadora do Programa Estadual de Qualidade, Segurança do Paciente e Humanização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Maria Cecília Zambrana Curti esclarece que ao ser constatada a situação de abandono de um idoso várias iniciativas são tomadas.
Dentre as ações, ocorre o acionamento do serviço social e a imediata localização da família. Quando a identificação dos responsáveis é possível, uma avaliação é realizada para viabilizar um auxílio.
Diante da possibilidade de nenhum  parente ser localizado é que se dá o encaminhamento para instituições de longa permanência (ILPs), especificamente para as que tenham vínculos com o poder público. O problema é que as vagas são limitadas.
A gente precisa trazer esta discussão pública de conseguir projetos de reinserção ou instituições, casas que acolham estes idosos e possam dar dignidade à eles para seguirem suas vidas. Ou então projetos financeiros que dêem suporte para que estas famílias possam oferecer cuidados dignos dentro do seu domícilio”, diz.

Protocolos de denúncia

As estatísticas utilizadas para mostrar a situação ultilizam três categorias: protocolos de denúncia, denúncias  e violações.
Os protocolos de denúncia consideram quantas vezes a pessoa procurou a ouvidoria do ministério (MDHC) para registrar um fato. As denúncias se referem a quantas situações diferentes foram registradas dentro desses protocolos, enquanto as violações tratam de quantas vezes os direitos foram desrespeitados dentro desta denúncia.

Fonte: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania - 2024

Fonte: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania - 2025

Apoio a pessoas vulneráveis

O Instituto Velho Amigo, com 26 anos de existência, é tido como referência no apoio a pessoas idosas em situação de vulnerabilidade social. A ONG atua basicamente em três frentes, sendo atenção direta com a oferta de acolhimento, programas de revitalização de instituições além de ações emergenciais de apoio a pessoas idosas e famílias vulneráveis. Apesar do abandono em hospitais não figurar entre as prioridades da instituição, é comum que órgãos públicos lhe peçam ajuda.
Leia também: PL que aumenta pena para abandono de idoso é aprovado e aguarda sanção

A coordenadora responsável pela área de projetos do Instituto, Elza de Souza Araújo explica que as abordagens buscam sempre encontrar uma instituição de acolhimento. Segundo ela, quando isto acontece é feito o encaminhamento à Frente Nacional das Instituições de Longa Permanência, onde ocorre uma busca conjunta de localização de vagas.
A coordenadora informa que, em média, o valor mínimo cobrado para acolhimento de um idoso em uma instituição particular, com atendimento 24 horas, está em torno dos R$ 7 mil. Ela reconhece que este valor é inviável para muitos, deixando famílias inteiras em um enorme dilema. Afinal, o Estatuto da Pessoa Idosa, ao determinar quem assume os custos de uma internação, acaba deixando muitos na dúvida entre ajudar ou se alimentar.  
 “Ninguém acorda e decide: hoje vou abandonar meu pai no hospital. Isso é o ponto final de uma história de sobrecarga, solidão e ausência do Estado. Se a gente quer evitar esse fim, precisa começar muito antes: fortalecendo a rede de apoio para quem cuida e garantindo alternativas de acolhimento digno.” 


Crime de abandono

Em Minas Gerais, uma idosa foi abandonada por cerca de dois meses em um hospital da rede Unimed, na Região Centro-Sul, de Belo Horizonte. A senhora de 72 anos, deu entrada na Unidade Contorno da rede no dia 18 de abril com dores no peito, e chegou a receber alta no mesmo dia. Mas não retornou pra casa. 
Em 12 de junho uma denúncia foi enviada à Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MPMG), indicando que a paciente foi deixada no hospital. A policia também foi acionada, após a conclusão de que o abandono foi cometido por familiares. 
No dia 16 de junho, o MPMG estabeleceu um prazo de 24 horas a idosa retornasse para casa. No mesmo dia, uma das sobrinhas compareceu ao local, sendo advertida pela prática de crime de abandono. A justificativa dada às autoridades foi de que os familiares não tinham condições financeiras para oferecer os cuidados necessários. O Ministério Público se comprometeu à realizar visitas a paciente, para verificar se de fato a devida assistência emocional e material tem sido dada. 
A reportagem do Portal VIVA entrou em contato com o Hospital da Unimed, que confirmou a informação que a paciente havia deixado o local. O Ministério Público também foi procurado para uma atualização do caso, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Leia também: Conheça canais de denúncia de violência contra a pessoa idosa
O representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e ex-secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves chama a atenção para o fato de que o abandono de idoso é crime, com penas que podem variar de seis meses a três anos de prisão, além do pagamento de multas.
Alves lembra que dentre os auxílios existentes dentro da legislação de assistência social está o Benefício da Prestação Continuada (BPC), voltado exclusivamente para para idosos em situação de pobreza. Porém o especialista reconhece as limitações para se ter direito. 
“O Estado acaba não tendo serviços ou políticas públicas adequadas que possam suprir essas deficiências e dificuldades. O Estado não consegue suprir estas necessidades. O Brasil precisa implantar serviços e políticas públicas nestas áreas”. 
Segundo ele, "as dificuldades estão no acesso à Justiça, à Defensoria Pública, à morosidade do INSS, nas eternas filas de atendimento e por fim no baixo valor salátrio mínimo".

Consequências do abandono

A decisão de abandonar um familiar ou um amigo, quer seja em uma casa de repouso ou em um hospital,  provoca consequências nefastas, tanto  para quem é abandonado como para abandona. O alerta é da psicóloga com aprimoramento hospitalar Cristiane Brigatto. Segundo a especialista,  a  própria vulnerabilidade econômica é uma agravante e são muitos os fatores a serem levados em conta para se traçar um diagnóstico.
“O abandono é prejudicial principalmente para a recuperação de pessoas doentes. O sentimento de abandono pode gerar traumas imensos, e até as funções cognitivas ficam comprometidas”, afirma.
Já quem consegue prestar atendimento de qualidade, mesmo diante do declínio cognitivo do parente idoso, colhe a recompensa de relações baseadas em afeto. A professora Svetlana Braz, 55, que mora em Uberlândia (MG) com a mãe, duas irmãs, um irmão e duas filhas, conta que a família se reveza nos cuidados com o pai, o empresário aposentado M.B., de 81 anos. Ele começou a apresentar vários problemas graves de saúde, como um agressivo câncer de próstata até chegar ao diagnóstico de Alzheimer.

A família optou por cuidar dele sem o auxílio de cuidadores ou clínica privada para internação. A atenção é dividida entre os familiares, nas atividades que vão do banho ao acompanhamento clínico.
Como o pai sempre gostou do mar, a família comprou um imóvel em Santos, no litoral de São Paulo. Ao menos três vezes ao ano eles enfrentam cerca de dez horas de viagem, entre paradas em postos e restaurantes, apenas para que ele possa ficar algum tempo em sua cadeira de rodas observando o mar, que ele tanto gosta. “Quando papai está bom, ela brinca e diz sempre que não quer morrer de jeito nenhum”, relata, emocionada.

Comentários

Política de comentários

Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.

Gostou? Compartilhe

Últimas Notícias