Foto: Envato Elements
São Paulo, 02/11/2025 - A demência já é considerada uma das principais causas de incapacidade no mundo. E tende a crescer. Até 2050, as doenças mentais estarão entre os três maiores grupos de enfermidades na América Latina. No Brasil, oito em cada dez pessoas com algum tipo de demência sequer sabem que têm a doença.
“Isso é preocupante porque o diagnóstico é a porta de entrada para o tratamento, mas o acesso ainda é desigual e depende muito da região do País”, disse Cleusa Ferri, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante do Comitê de Políticas Públicas sobre Demência do Ministério da Saúde, durante o Summit Saúde e Bem-Estar promovido pelo Estadão.
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“A gente tem de aumentar o treinamento dos profissionais de saúde para que, quando estiverem atendendo uma pessoa com hipertensão arterial, consigam também reconhecer que ali existe uma questão que vai além daquela condição clínica”, acrescentou.
Alguns motivos explicam o subdiagnóstico, sendo a falta de capacitação médica o principal deles. “Muitos pacientes com demência são acompanhados apenas pelo diabetes ou pela hipertensão, sem que a questão cognitiva seja sequer investigada”, disse Ferri.
“A gente tem de aumentar o treinamento dos profissionais de saúde para que, quando estiverem atendendo uma pessoa com hipertensão arterial, consigam também reconhecer que ali existe uma questão que vai além daquela condição clínica”, acrescentou.
Quando não alertado, pode até ser que aquele paciente perceba algum sintoma, mas entenda como algo natural do envelhecimento, o que não é.
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“Durante meu treinamento, tive apenas uma aula de demência - e durou duas horas”, relatou Claudia Suemoto, professora de geriatria na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Precisamos ensinar o tema na graduação e na formação continuada, especialmente de médicos de família, cardiologistas e ginecologistas, que têm contato frequente com idosos”, defendeu.
Além da percepção cultural, é preciso considerar o próprio caminho do desenvolvimento científico relacionado à doença. Apesar de avanços, o diagnóstico ainda é bastante complexo, explicou Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apoiado pelo Instituto Serrapilheira.
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“Atualmente, já existem exames aprovados pela Anvisa que auxiliam no diagnóstico, como os marcadores biológicos, mas são muito caros e não estão disponíveis para uso no SUS, que atende a maior parte da população”, ponderou.
A boa notícia é que há uma tendência mundial de desenvolvimento de novos exames de sangue, mais acessíveis, que poderão facilitar bastante o diagnóstico de demência.
“Existe um tempo de maturação para esses avanços científicos se tornarem realidade e chegarem na ponta do mundo. Mas estamos evoluindo de forma geral quanto a diagnósticos”, disse Zimmer.
Além da limitação estrutural, na demência há um obstáculo mais sutil: o estigma. “O estigma nos atravessa como sociedade”, afirmou Elaine Mateus, presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz). “Quando as pessoas se deparam com mudanças na memória ou no comportamento, tendem a achar que é normal, algo esperado da idade. Existe medo, preconceito e também negligência.”
Na demência, argumentou, o discurso biomédico é predominante. “A gente define a própria condição a partir das perdas, de um declínio neurocognitivo crônico e sem cura. Mas também poderia definir como uma condição que impõe desafios, mas permite percursos possíveis e qualidade de vida.”
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Elaine Mateus lembrou que há também tratamentos não medicamentosos, com eficácia comprovada, mas menos valorizados. “Terapias que trabalham aspectos motores, sociais e afetivos têm efeitos expressivos. E o diagnóstico precoce é o que permite que o paciente acesse essas abordagens no momento certo.”
O Brasil sancionou no ano passado a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências. Mas, segundo Cleusa Ferri, ainda é preciso tirar o plano do papel.
“É preciso lembrar que o SUS já faz muito, com cuidados para idosos e em cuidados paliativos. O que falta é integrar ações de prevenção, diagnóstico e atendimento, tanto para o paciente quanto para os familiares e cuidadores.”
Ferri defendeu investimento contínuo e governança intersetorial para a lei virar realidade. “Esperamos recursos e estrutura para que essa política seja de fato implementada.”
Por fim, os convidados do painel do Summit Saúde e Bem-Estar lembraram que a maior parte dos casos de demência poderia ser evitada ou adiada.
Se eliminássemos os 14 principais fatores de risco - como tabagismo, sedentarismo, hipertensão e baixa escolaridade - evitaríamos cerca de metade dos casos de demência no mundo. “O maior fator de risco é a baixa escolaridade. Investir em educação é investir em prevenção”, destacou Claudia Suemoto.
Os especialistas defenderam que a combinação de diagnóstico precoce, tratamentos integrados e políticas públicas consistentes pode mudar o curso da doença no país. “Quando temos a expectativa, não necessariamente de cura, mas de uma vida digna, seja lá quanto tempo for, tememos muito menos, seja o diagnóstico que for”, concluiu Elaine Mateus.
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