São Paulo, 25/09/2025 - As doenças cardíacas são uma das principais causas de mortalidade em todo o mundo, e para as mulheres, os riscos são frequentemente subestimados devido à
natureza silenciosa de muitos sintomas cardiovasculares. Um novo
estudo da Mayo Clinic, dos Estados Unidos, descobriu, por exemplo, que mais da metade dos ataques cardíacos em pessoas com menos de 65 anos, especialmente em mulheres, não têm origem no entupimento das artérias.
As principais causas incluem dissecação espontânea da artéria coronária (DEAC), embolia e gatilhos como infecções ou anemia, fatores frequentemente subdiagnosticados, que aumentam a mortalidade e exigem maior atenção no diagnóstico e tratamento dessas pacientes.
A causa mais comum de ataque cardíaco em ambos os sexos foi a aterosclerose, ou seja, o entupimento das artérias por placas, mas isso representou apenas 47% dos ataques cardíacos em mulheres, em comparação aos 75% em homens. As taxas de mortalidade em cinco anos foram mais altas em pessoas que tiveram ataques cardíacos desencadeados por fatores de estresse como anemia ou infecção, mesmo que esses pacientes apresentassem níveis mais baixos de lesão cardíaca.
"Essa pesquisa coloca no centro das atenções as causas de ataque cardíaco que historicamente têm sido pouco reconhecidas, especialmente em mulheres," diz a médica Claire Raphael, cardiologista intervencionista na Mayo Clinic e primeira autora do estudo. "Quando a causa raiz de um ataque cardíaco é mal interpretada, isso pode levar a tratamentos menos eficazes, ou até mesmo prejudiciais."
De um total de 1.474 ataques cardíacos, 68% foram causados por um acúmulo típico de placas (doença cardíaca tradicional), mas as causas não tradicionais representaram a maioria dos ataques cardíacos em mulheres. Entre elas, a dissecção espontânea da artéria coronária (DEAC), por exemplo, foi quase 6 vezes mais comum do que em homens.
O estudo, realizado neste ano, mostra também que ataques cardíacos causados por fatores de estresse, como anemia ou infecção, foram a segunda causa mais comum e a mais letal, com uma taxa de mortalidade em cinco anos de 33%.
Saúde do coração no Brasil
No Brasil, os dados do DATASUS mostram uma prevalência preocupante: em 2022, doenças cardiovasculares foram responsáveis por mais de 400 mil mortes, com as mulheres sendo um dos grupos mais impactados.
Nos últimos anos, também foi observado um aumento significativo nas internações por infarto no Brasil, tanto em homens como em mulheres. No entanto, nelas os casos tendem a ser menos reconhecíveis, muitas vezes se manifestando de formas que costumam ser ignoradas ou atribuídas a outros fatores, como estresse ou distúrbios digestivos. Especialistas alertam que a pouca clareza dos sintomas agrava o quadro, tornando essencial a conscientização sobre os sinais de alerta e as medidas de prevenção.
Fatores como sedentarismo, tabagismo, alimentação inadequada e estresse são amplamente conhecidos como vilões da saúde do coração. Contudo, a diferença na apresentação dos sintomas com base no gênero tem um impacto direto no diagnóstico e tratamento precoces.
Problemas cardíacos silenciosos
Muitas doenças cardíacas, como a
hipertensão e a cardiomiopatia, também avançam de forma discreta, sem apresentar sintomas óbvios até que causam danos significativos. Mulheres enfrentam desafios peculiares, como uma maior
propensão a infartos silenciosos, que podem passar despercebidos sem sintomas clássicos como dor aguda no peito.
Segundo o médico Marcelo Bergamo, departamento de cardiologia no Hospital Santa Bárbara, sintomas como cansaço incomum, suor excessivo e desconforto no peito devem ser investigados, sobretudo nas mulheres, onde o risco é frequentemente subestimado. “É comum que esses sinais sejam ignorados ou atribuídos à rotina cansativa, má digestão ou ansiedade. Mas, especialmente em pessoas com fatores de risco, é fundamental investigar”, ressalta.
Além do infarto silencioso, condições como a aterosclerose e a fibrilação atrial podem progredir sem sinais evidentes, aumentando os riscos de complicações severas, como ataques cardíacos e derrames. Muitas dessas condições permanecem não diagnosticadas até que um evento cardiovascular significativo ocorra, destacando a necessidade de check-ups regulares e um comprometimento com a saúde do coração.
A identificação precoce também é decisiva para melhorar prognósticos, diz o cardiologista Tito Paladino, sócio-fundador da Heart School Brasil. Ele ressalta que enquanto muitos infartos são evitáveis com mudanças no estilo de vida, frequentemente só são tratados após a manifestação de sérias complicações. O acompanhamento médico regular e a conscientização dos sintomas são partes vitais de qualquer estratégia preventiva.
“A maioria das doenças cardíacas pode ser prevenida ou controlada com hábitos saudáveis e acompanhamento médico. O grande desafio está no fato de que muitas delas são silenciosas, e o paciente só descobre quando já há complicações. É preciso conscientizar e estimular a população a cuidar da saúde antes que o problema apareça", observa.
Desafios do diagnóstico e tratamento
Além dos problemas cardiovasculares bem conhecidos, há o desafio adicional para mulheres que sofrem de angina microvascular, que afeta principalmente a microcirculação nas mulheres e muitas vezes é subdiagnosticada devido à invisibilidade em testes padrão como o cateterismo. Esse tipo de angina, relatada por aproximadamente 70% das mulheres com sintomas cardíacos, requer uma abordagem diagnóstica especializada para correta identificação e tratamento.
Conforme a cardiologista Sarah Fagundes, do Hospital São Marcelino Champagnat, de Curitiba (PR), compreender a origem precisa dos sintomas é vital para reduzir as crises de dor no peito e prevenir futuras complicações. A iniciativa de priorizar exames e tratamentos direcionados à saúde cardiovascular das mulheres pode democratizar o cuidado com o coração e oferecer melhorias substanciais na expectativa e qualidade de vida.
“Alterações nos níveis de estrogênio, comuns após a
menopausa, afetam o equilíbrio da vasodilatação arterial. Doenças autoimunes e processos inflamatórios crônicos - mais prevalentes entre as mulheres -também comprometem o endotélio e a reatividade dos vasos. Além disso, as artérias femininas, em geral mais finas e tortuosas, podem dificultar a circulação sanguínea”, destaca a cardiologista.