Em entrevista exclusiva ao Viva, Zara Figueiredo expõe as iniciativas da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), vinculada do MEC, para garantir o direito à alfabetização e à educação continuada de jovens, adultos e também de idosos.
Com uma expectativa de vida crescente, o Brasil enfrenta o desafio de oferecer oportunidades educacionais continuadas para pessoas com mais de 50 anos, um segmento frequentemente negligenciado na política educacional. Nesse contexto, a alfabetização de adultos se apresenta como um imperativo para promover a inclusão e o desenvolvimento social, permitindo que essa parcela da população possa participar ativamente na sociedade e no mercado de trabalho.
De modo geral, ela afirma que a pasta tem implementado um conjunto de ações estruturantes para enfrentar um dos maiores desafios da política educacional brasileira, que envolvem a superação do analfabetismo e a qualificação da
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Destaca também medidas como o aumento o repasse de verba a essa modalidade e sua reintegração ao Programa Nacional do Livro Didático, pontuando os esforços para tornar a oferta da mais atrativa e acessível, especialmente para aqueles que deixaram a escola há algumas décadas.Confira os principais trechos da entrevista:
Viva: Quais são as políticas atuais do MEC para garantir o direito à alfabetização e à educação continuada de pessoas acima de 50 anos?
Zara Figueiredo: Esse é um debate crucial, e é excelente que o Viva esteja trazendo à tona, pois não recebe a devida atenção na imprensa. Precisamos lembrar que a reconstrução da Secadi na gestão atual foi um passo decisivo para reintegrar a educação de jovens e adultos como uma prioridade. Essa reconstituição incluiu a reativação da diretoria da EJA, com foco na alfabetização e na melhoria dos anos de estudo para pessoas acima de 50 anos.
Não é apenas um tema importante; é parte da nossa identidade, como fica claro pelo próprio nome da pasta. Criamos um conjunto abrangente de programas destinados a enfrentar o analfabetismo e a capacitar a EJA.
Um movimento inicial crucial foi ajustar a ponderação do Fundeb, o que garante que o financiamento por estudante de EJA seja igual ao de um estudante do ensino fundamental urbano. Antes essa diferença era significativa e desencorajava a oferta por municípios e estados. Agora, essa paridade no financiamento encoraja uma oferta cada vez mais robusta de educação continuada por parte dos entes federados.
Além disso, após dez anos, a EJA foi reintegrada ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o que é um apoio essencial para professores e alunos. Investimos também no desenvolvimento de um novo material didático em parceria com a Unesco, especialmente para o ensino médio, permitindo apoio pedagógico mais eficaz.
Também criamos o Programa Dinheiro Direto na Escola da EJA e um programa de desenvolvimento docente que nunca existiu antes e que serve para apoiar escolas vulneráveis. Esses esforços são complementados por uma rede de governança abrangendo mais de 2 mil pessoas, que atua para fortalecer a formação de professores e alfabetizadores em conjunto com universidades, os institutos federais e o Conselho Nacional de Educação.
Como essas ações estruturantes chegam às populações mais vulneráveis?
Isso é um ponto que tratamos com muita seriedade. Todas as nossas ações conversam com as necessidades dos mais vulneráveis, mas destacaria especialmente duas: a formação de professores e o atendimento personalizado.
Quando falamos de uma educação realmente inclusiva, reconhecemos que pessoas mais velhas que não tiveram a chance de se alfabetizar antes precisam de métodos e práticas pedagógicas adaptadas às suas realidades.
Um dos nossos grandes desafios é fazer com que a educação chegue a essas pessoas, em vez de esperar que elas venham até as escolas. Muitas delas, vivendo em territórios de assentamento da reforma agrária, comunidades quilombolas, indígenas ou periferias urbanas, não veem a busca pela educação como uma opção viável. Portanto, retomamos programas como o Brasil Alfabetizado, que leva a educação a lugares como igrejas, cooperativas, pontos de cultura, assentamentos e comunidades tradicionais.
Este enfoque é o cerne da educação popular, que alcança hoje mais de 60.000 pessoas. Estabelecemos parcerias com cooperativas e instituições para garantir que a educação se adapte e chegue a esses locais. Trabalhamos também com institutos federais para integrar alfabetização e profissionalização, adaptando nossa formação de alfabetizadores a contextos comunitários. Isso não é apenas uma estratégia educativa, mas uma questão de justiça social, que envolve a formação contínua dos educadores, com materiais e metodologias apropriadas, e é sustentada pelo tripé bolsa, formação e material didático.
Como será a alfabetização tecnológica para esse público?
A alfabetização tecnológica é um tema emergente de grande relevância e que não pode ser negligenciado. O Censo Demográfico nos mostra um número expressivo de pessoas que são parte do público da EJA e ainda não foram alfabetizadas. Essas pessoas precisam estar integradas em dois mercados essenciais: o profissional e o afetivo. A falta de alfabetização é uma barreira significativa para a inserção nesses mercados.
Recentemente, apresentamos um estudo conduzido pelo Insper e pela FGV que demonstra o retorno econômico substancial que a alfabetização pode oferecer.
As pessoas que não sabem ler e escrever muitas vezes usam tecnologia como o WhatsApp apenas por áudio, adotando estratégias para ocultar o analfabetismo, que gera constrangimento.
Portanto, nosso desafio é duplo: precisamos alfabetizar essas pessoas em uma perspectiva que já inclua o digital e ao mesmo tempo oferecer formação profissional que facilite sua participação ativa na economia.
Isso requer uma coordenação intensa entre MEC, redes de ensino e institutos federais, que se tornam parceiros indispensáveis. Atualmente, trabalhamos em um modelo de inclusão da tecnologia nesse processo educativo, que envolve recursos significativos e está orientado para a formação de mão de obra junto à alfabetização digital.
Como a Secadi analisa a expansão de matrículas proposta pelo novo PNE?
A questão das matrículas é crítica para o sucesso das nossas iniciativas. Temos consciência de que o último Plano Nacional de Educação (PNE), prorrogado até o fim deste ano, não atingiu nenhuma das metas propostas para a EJA. Este é um ponto de mudança necessário, pois o PNE é uma política de Estado, com suas diretrizes firmemente enraizadas na legislação. Estamos trabalhando intensamente com movimentos sociais e redes educacionais para definir metas que sejam factíveis, mas que ao mesmo tempo guardem os direitos fundamentais de inclusão educacional.
A EJA é uma obrigação legal, um direito previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Porém, atualmente, mais de 2.400 municípios não a oferecem, e isso é um problema grave que precisa ser solucionado.
Alegações de falta de demanda são descompassadas com as realidades demográficas. Nossa intenção é revigorar a oferta de EJA para atender as pessoas onde elas estão, com propostas flexíveis que sejam sensíveis às suas características demográficas e culturais.
Já temos resultados tangíveis com essas iniciativas?
Sim, começamos a ver avanços significativos. O aumento de matrículas em EJA é notável e está sendo refletido na PNAD Contínua, que registrou uma queda histórica nos índices de analfabetismo, a primeira desde 2016. Embora ainda não possamos correlacionar diretamente com o pacto do governo federal, é um indicador extremamente positivo. Temos hoje cerca de 208.000 matrículas no formato de educação popular em áreas periféricas e assentamentos, o que representa uma grande conquista.
A formação de professores tem sido um pilar vital para todo esse avanço. Realizamos uma live recentemente que contou com a participação de 12.000 pessoas e ultrapassou 100.000 visualizações posteriores. Conseguimos inserir a EJA na agenda educacional, um movimento fundamental. Agora ela também é parte de uma estratégia prioritária do Conselho de Ministérios Públicos para 2026, reconhecimento inédito que destaca nossa abordagem como central dentro da política educacional.
Gostaria de reforçar que a EJA não é uma oferta facultativa, mas uma obrigação com base legal e moral profundamente enraizada.
Alegar que não há demanda por alfabetização é uma percepção equivocada. Na realidade, muitos dos que têm direito à EJA não têm consciência desse direito. É crucial que a demanda seja abordada através de busca ativa e campanhas informativas para promover a compreensão de que a EJA é um direito social e educacional, e não um privilégio. Nossa responsabilidade é promover a consciência e garantir que ninguém seja deixado para trás nesta nova era do envelhecimento e da educação continuada no Brasil.