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Educação para maiores de 50 não é escolha, é obrigação, diz secretária do MEC

Bianca Bibiano
Por Bianca Bibiano bianca.bibiano@viva.com.br

Publicado em 13/11/2025, às 08h53 - Atualizado às 09h39

São Paulo, 13/11/2025 - O envelhecimento da população brasileira tem se tornado uma pauta cada vez mais relevante no campo da educação, ganhando destaque não apenas como tema de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mas também como foco das políticas públicas atuais do Ministério da Educação (MEC) e do novo Plano Nacional de Educação.
Em entrevista exclusiva ao Viva, Zara Figueiredo expõe as iniciativas da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), vinculada do MEC, para garantir o direito à alfabetização e à educação continuada de jovens, adultos e também de idosos.
Com uma expectativa de vida crescente, o Brasil enfrenta o desafio de oferecer oportunidades educacionais continuadas para pessoas com mais de 50 anos, um segmento frequentemente negligenciado na política educacional. Nesse contexto, a alfabetização de adultos se apresenta como um imperativo para promover a inclusão e o desenvolvimento social, permitindo que essa parcela da população possa participar ativamente na sociedade e no mercado de trabalho.
De modo geral, ela afirma que a pasta tem implementado um conjunto de ações estruturantes para enfrentar um dos maiores desafios da política educacional brasileira, que envolvem a superação do analfabetismo e a qualificação da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Destaca também medidas como o aumento o repasse de verba a essa modalidade e sua reintegração ao Programa Nacional do Livro Didático, pontuando os esforços para tornar a oferta da mais atrativa e acessível, especialmente para aqueles que deixaram a escola há algumas décadas.Confira os principais trechos da entrevista:

Viva: Quais são as políticas atuais do MEC para garantir o direito à alfabetização e à educação continuada de pessoas acima de 50 anos?

Zara Figueiredo: Esse é um debate crucial, e é excelente que o Viva esteja trazendo à tona, pois não recebe a devida atenção na imprensa. Precisamos lembrar que a reconstrução da Secadi na gestão atual foi um passo decisivo para reintegrar a educação de jovens e adultos como uma prioridade. Essa reconstituição incluiu a reativação da diretoria da EJA, com foco na alfabetização e na melhoria dos anos de estudo para pessoas acima de 50 anos.
Não é apenas um tema importante; é parte da nossa identidade, como fica claro pelo próprio nome da pasta. Criamos um conjunto abrangente de programas destinados a enfrentar o analfabetismo e a capacitar a EJA.
Um movimento inicial crucial foi ajustar a ponderação do Fundeb, o que garante que o financiamento por estudante de EJA seja igual ao de um estudante do ensino fundamental urbano. Antes essa diferença era significativa e desencorajava a oferta por municípios e estados. Agora, essa paridade no financiamento encoraja uma oferta cada vez mais robusta de educação continuada por parte dos entes federados.
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Além disso, após dez anos, a EJA foi reintegrada ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o que é um apoio essencial para professores e alunos. Investimos também no desenvolvimento de um novo material didático em parceria com a Unesco, especialmente para o ensino médio, permitindo apoio pedagógico mais eficaz.
Também criamos o Programa Dinheiro Direto na Escola da EJA e um programa de desenvolvimento docente que nunca existiu antes e que serve para apoiar escolas vulneráveis. Esses esforços são complementados por uma rede de governança abrangendo mais de 2 mil pessoas, que atua para fortalecer a formação de professores e alfabetizadores em conjunto com universidades, os institutos federais e o Conselho Nacional de Educação.

Como essas ações estruturantes chegam às populações mais vulneráveis?

Isso é um ponto que tratamos com muita seriedade. Todas as nossas ações conversam com as necessidades dos mais vulneráveis, mas destacaria especialmente duas: a formação de professores e o atendimento personalizado.
Quando falamos de uma educação realmente inclusiva, reconhecemos que pessoas mais velhas que não tiveram a chance de se alfabetizar antes precisam de métodos e práticas pedagógicas adaptadas às suas realidades.
Um dos nossos grandes desafios é fazer com que a educação chegue a essas pessoas, em vez de esperar que elas venham até as escolas. Muitas delas, vivendo em territórios de assentamento da reforma agrária, comunidades quilombolas, indígenas ou periferias urbanas, não veem a busca pela educação como uma opção viável. Portanto, retomamos programas como o Brasil Alfabetizado, que leva a educação a lugares como igrejas, cooperativas, pontos de cultura, assentamentos e comunidades tradicionais.
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Este enfoque é o cerne da educação popular, que alcança hoje mais de 60.000 pessoas. Estabelecemos parcerias com cooperativas e instituições para garantir que a educação se adapte e chegue a esses locais. Trabalhamos também com institutos federais para integrar alfabetização e profissionalização, adaptando nossa formação de alfabetizadores a contextos comunitários. Isso não é apenas uma estratégia educativa, mas uma questão de justiça social, que envolve a formação contínua dos educadores, com materiais e metodologias apropriadas, e é sustentada pelo tripé bolsa, formação e material didático.

Como será a alfabetização tecnológica para esse público?

A alfabetização tecnológica é um tema emergente de grande relevância e que não pode ser negligenciado. O Censo Demográfico nos mostra um número expressivo de pessoas que são parte do público da EJA e ainda não foram alfabetizadas. Essas pessoas precisam estar integradas em dois mercados essenciais: o profissional e o afetivo. A falta de alfabetização é uma barreira significativa para a inserção nesses mercados.
Recentemente, apresentamos um estudo conduzido pelo Insper e pela FGV que demonstra o retorno econômico substancial que a alfabetização pode oferecer.
As pessoas que não sabem ler e escrever muitas vezes usam tecnologia como o WhatsApp apenas por áudio, adotando estratégias para ocultar o analfabetismo, que gera constrangimento.
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Portanto, nosso desafio é duplo: precisamos alfabetizar essas pessoas em uma perspectiva que já inclua o digital e ao mesmo tempo oferecer formação profissional que facilite sua participação ativa na economia.
Isso requer uma coordenação intensa entre MEC, redes de ensino e institutos federais, que se tornam parceiros indispensáveis. Atualmente, trabalhamos em um modelo de inclusão da tecnologia nesse processo educativo, que envolve recursos significativos e está orientado para a formação de mão de obra junto à alfabetização digital.

Como a Secadi analisa a expansão de matrículas proposta pelo novo PNE?

A questão das matrículas é crítica para o sucesso das nossas iniciativas. Temos consciência de que o último Plano Nacional de Educação (PNE), prorrogado até o fim deste ano, não atingiu nenhuma das metas propostas para a EJA. Este é um ponto de mudança necessário, pois o PNE é uma política de Estado, com suas diretrizes firmemente enraizadas na legislação. Estamos trabalhando intensamente com movimentos sociais e redes educacionais para definir metas que sejam factíveis, mas que ao mesmo tempo guardem os direitos fundamentais de inclusão educacional.
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A EJA é uma obrigação legal, um direito previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Porém, atualmente, mais de 2.400 municípios não a oferecem, e isso é um problema grave que precisa ser solucionado.
Alegações de falta de demanda são descompassadas com as realidades demográficas. Nossa intenção é revigorar a oferta de EJA para atender as pessoas onde elas estão, com propostas flexíveis que sejam sensíveis às suas características demográficas e culturais.

Já temos resultados tangíveis com essas iniciativas?

Sim, começamos a ver avanços significativos. O aumento de matrículas em EJA é notável e está sendo refletido na PNAD Contínua, que registrou uma queda histórica nos índices de analfabetismo, a primeira desde 2016. Embora ainda não possamos correlacionar diretamente com o pacto do governo federal, é um indicador extremamente positivo. Temos hoje cerca de 208.000 matrículas no formato de educação popular em áreas periféricas e assentamentos, o que representa uma grande conquista.
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A formação de professores tem sido um pilar vital para todo esse avanço. Realizamos uma live recentemente que contou com a participação de 12.000 pessoas e ultrapassou 100.000 visualizações posteriores. Conseguimos inserir a EJA na agenda educacional, um movimento fundamental. Agora ela também é parte de uma estratégia prioritária do Conselho de Ministérios Públicos para 2026, reconhecimento inédito que destaca nossa abordagem como central dentro da política educacional.
Gostaria de reforçar que a EJA não é uma oferta facultativa, mas uma obrigação com base legal e moral profundamente enraizada.
Alegar que não há demanda por alfabetização é uma percepção equivocada. Na realidade, muitos dos que têm direito à EJA não têm consciência desse direito. É crucial que a demanda seja abordada através de busca ativa e campanhas informativas para promover a compreensão de que a EJA é um direito social e educacional, e não um privilégio. Nossa responsabilidade é promover a consciência e garantir que ninguém seja deixado para trás nesta nova era do envelhecimento e da educação continuada no Brasil.

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