Rosinei Coutinho / SCO STF
Por Lavínia Kaucz e Carolina Maingué Pires, da Broadcast
redacao@viva.com.brBrasília, 31/07/2025 - A repercussão das sanções anunciadas pelos Estados Unidos contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pode respingar em instituições financeiras e gerar um impasse para as empresas, segundo juristas ouvidos pela Broadcast. De um lado, a Lei Magnitsky obriga os bancos que têm vínculos com o sistema financeiro americano a cumprirem o bloqueio de bens do ministro, inclusive em território brasileiro. De outro, Moraes poderia recorrer ao Judiciário brasileiro para questionar tais bloqueios sob o argumento de que esses bancos estão subordinados à legislação doméstica.
Os EUA anunciaram ontem a inclusão de Moraes na lista de sancionados pela Lei Magnitsky, aplicada contra graves violadores de direitos humanos. A lei prevê sanções como bloqueio de contas bancárias e de bens em solo norte-americano, além de cancelamento de vistos e proibição de entrar no país. O Broadcast Político mostrou ontem que Moraes disse a interlocutores que não tem bens e investimentos no território americano.
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De forma indireta, a determinação de bloqueio também pode abranger bens e contas localizadas no Brasil. Isso porque bancos brasileiros e empresas que operam em dólar ou têm vínculos com o sistema financeiro americano "tendem a seguir as sanções por receio de penalidades secundárias", explica o advogado Daniel Toledo, especialista em Direito Constitucional e em Direito Internacional do escritório Toledo e Advogados Associados. Dessa forma, prossegue, "um brasileiro sancionado pode ter contas congeladas em outros países - inclusive no Brasil - caso instituições financeiras locais optem por cooperar com os EUA".
Ricardo Rocha Neto, sócio do Abe Advogados, avalia que "embora, tecnicamente, as instituições brasileiras não estejam legalmente obrigadas a cumprir ordens diretas do governo dos EUA, na prática costumam seguir as determinações para evitar o isolamento no sistema financeiro global - cuja infraestrutura é fortemente influenciada pelos Estados Unidos".
De acordo com os juristas ouvidos pela reportagem, as instituições financeiras com operações nos EUA que mantiverem relações com Moraes podem enfrentar consequências como o bloqueio de transações em dólar, restrições de acesso ao sistema financeiro americano e congelamento de ativos em jurisdições sob controle dos EUA.
Juliana Daniel, sócia do Berardo Advogados, explica que, a rigor, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC, na sigla em inglês) prioriza violações que sejam sistemáticas, de valor elevado ou recorrentes, com falha grave de diligência. Mas, devido à "imprevisibilidade do governo americano", ela avalia que não necessariamente esses critérios serão seguidos à risca. "A rigor, não se poderia sequer usar uma lei que prevê sanções por violações a direitos humanos nesse caso - mas é o que estão fazendo", diz.
O presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, falou mais cedo em coletiva de imprensa que o banco aguarda pareceres de escritórios de advocacia do exterior para entender a abrangência da lei Magnitsky aqui. Mas, segundo ele, "a lei tem de ser cumprida, somos uma organização que tem negócios nos EUA".
Por outro lado, se seguirem as sanções americanas, essas empresas podem ter problemas com a Justiça no Brasil. "Se Moraes for prejudicado por um banco que opera no Brasil por força desta lei, ele pode recorrer ao Judiciário brasileiro porque esses bancos estão subordinados à lei brasileira. Isso vai dar um processo judicial de altíssima complexidade, e isso também não é bom para esses bancos", avalia o especialista em Direito Internacional Evandro Carvalho, professor da FGV Direito-Rio.
O advogado Daniel Bialski, sócio do Bialski Advogados Associados, pontua que, no Brasil, se o ministro achar que de alguma forma ele está sendo prejudicado, ele pode entrar com uma ação de reparação de dano. "Então, se você for pensar bem, isso se torna uma bola de neve", diz.
O dilema também atinge bandeiras de cartão de crédito como Visa e Mastercard e as plataformas digitais sediadas nos EUA, como Instagram, X, Google e Microsoft. Segundo Bialski, as empresas americanas "estão sujeitas à lei americana e, de fato, têm que obedecer às imposições que foram determinadas".
"As empresas que atuam no Brasil se submetem às leis brasileiras, mas se elas são empresas multinacionais americanas e com sede nos Estados Unidos, elas obrigatoriamente têm que respeitar também as leis americanas", comenta o advogado.
Um exemplo de repercussão nas plataformas digitais, de acordo com os advogados ouvidos pela reportagem, foi o bloqueio exercido em maio pela Microsoft de uma conta de e-mail do inglês Karim Khan, procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI). O bloqueio ocorreu após Trump impor sanções a Khan por ele ter emitido um mandado de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
Rocha, do Abe Advogados, vê um alcance menor no caso da Visa e Mastercard. "Se o cartão de crédito foi emitido aqui, a princípio não está sujeito a restrições, mas um cartão emitido por um banco americano, como Morgan Stanley e Citibank, pode ser cancelado".
Procurada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) não quis se manifestar. A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) disse que, até a publicação da reportagem, ainda estava avaliando a extensão da lei e que, por enquanto, não iria se pronunciar.
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