São Paulo, 30/10/2025 - A reabilitação para tratar as sequelas de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) ganhou reforço das tecnologias digitais últimos 20 aos, mas os avanços ainda estão distantes da rotina da maioria dos hospitais públicos.
  
 Recursos como realidade virtual e 
inteligência artificial, por exemplo, são usados atualmente para personalizar a reabilitação de acordo com os interesses dos pacientes. Alguns simulam atividades como jardinagem e pesca enquanto a pessoa faz os exercícios necessários do tratamento, além de oferecer resposta imediata de progresso e pontos a melhorar.
 
 Mecanismos como esses podem minimizar o impactos negativos dos exercícios repetitivos e cansativos da reabilitação, ajudando a melhorar o engajamento e evitar o abandono das terapias. Contudo, segundo a pesquisadora Natalia Duarte Pereira, do departamento de fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a maioria dos espaços que disponibilizam esses recursos se concentram nos centros urbanos, acessíveis em pequena escala ou em clínicas particulares.
  
 E mesmo nessas localidades, as tecnologias emergentes esbarram em limitações de infraestrutura, falta de tempo, alto custo de implementação, capacitação dos profissionais e acessibilidade, pontua.
  
   
 Em palestra durante XV Congresso Brasileiro de AVC, que ocorreu de 9 a 11 de outubro, em Florianópolis (SC), Pereira disse que um olhar mais focado nesse problema poderia reduzir a limitação de recursos e agilizar a reabilitação precoce, fator primordial para evitar sequelas permanentes. 
  
 "As evidências mostram que para ter avanços significativos com a reabilitação é preciso realizar centenas de repetições múltiplas vezes aos dia, manter o treinamento constantemente desafiador e com continuidade. Mas, na prática, a maioria recebe um cuidado fragmentado, com sessões de 30 minutos uma vez ao dia ou até menos, sem progressão sistematizada e início tardio."
  
 A fisioterapeura explicou que desde o início dos anos 2000 os profissionais de saúde que atuam nesse campo praticam a chamada reabilitação 3.0, usando recursos vindos de avanços em automação, eletrônica, robótica básica e tecnologia da informação. Mas, aos poucos, os avançam caminham para um formato 4.0, com sistemas ciberfísicos e análises de dados em nuvem em tempo real.
  
 Ela pontuou, porém, que esses avanços ainda carecem de um debate mais amplo sobre acessibilidade e regulamentação de dados, uma vez que coletam informações sensíveis dos pacientes. "Conforme avançamos na tecnologia, também se avança em questões de leis de proteção a dados e políticas regulatórias".
  
   
 Impacto do AVC na saúde pública
  
 Enquanto a tecnologia avança, a realidade da reabilitação pós-AVC nos hospitais públicos ainda se enquadra em um formato 2.0, com apoio de recursos gratuitos ou muitas vezes não digitais. "Em alguns casos, contamos somente com um celular ou um tablet, então, na prática focamos mais em recursos digais abertos, como aplicativos gratuitos ou vídeos compartilhados no Youtube ou Whatsapp", explicou a fonoaudióloga Tyalla Duarte Patricio, do Hospital Governador Celso Ramos, durante palestra no evento. 
  
 Ela explicou também que boa parte do trabalho acontece de forma não digital, com ferramentas de apoio como copos e talheres adaptados, ou recursos de comunicação alternativa, como cadernos caseiros com impressão de figuras. "Em todos esses casos, contamos muito com o apoio da família, que é quem pode dar continuidade ao tratamento em casa".
  
   
 Ela defende que avanços nessa área poderiam ajudar a reduzir os altos custos que o AVC tem na sociedade, uma vez que o foco da reabilitação é fornecer o retorno do paciente à normalidade o mais rápido possível, permitindo a retomada de atividades pessoais e profissionais. 
  De acordo com levantamento realizado pela Planisa, consultoria especializada em gestão de saúde e custos hospitalares, entre 2019 e setembro de 2024 as internações por AVC custaram R$ 910,3 milhões, sendo R$ 417,9 milhões em diárias críticas e R$ 492,4 milhões em diárias não críticas.
  
 O levantamento analisou 85.839 internações em hospitais, com permanência média de 7,9 dias por paciente, o que resultou em mais de 680 mil diárias hospitalares. Desse total, 25% ocorreram em Unidades de Terapia Intensiva, que possuem custos mais elevados, e 75% em enfermarias não críticas. 
  
 "Esses números mostram que o AVC não é apenas um problema de saúde individual, mas um enorme desafio coletivo. Cada morte representa uma vida interrompida, mas também há milhares de pessoas que sobrevivem com sequelas e demandam cuidado contínuo", diz a neurologista Sheila Martins, presidente da Rede Brasil AVC.
  
 "O impacto financeiro de quase R$ 1 bilhão em cinco anos reforça a urgência de investir em prevenção, diagnóstico rápido e reabilitação. Se quisermos mudar essa realidade, precisamos olhar para o AVC como uma prioridade nacional em saúde pública."
  
 Quais são os tipos de AVC?
  
 O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma síndrome neurológica de origem vascular que afeta o cérebro e pode acontecer de duas maneiras. Uma delas é o tipo hemorrágico, quando há rompimento de um vaso cerebral, provocando sangramento dentro ou na superfície do cérebro. Esse tipo é responsável por cerca de 15% dos casos e pode causar a morte com mais frequência.
  
 O segundo tipo é o AVC isquêmico, que ocorre quando há obstrução de uma artéria, impedindo a passagem de oxigênio para células cerebrais. Essa obstrução pode acontecer devido a um trombo (trombose) ou a um êmbolo (embolia). É o tipo mais comum e também o que mais gera sequelas.
  
 "A cada minuto em que o AVC isquêmico não é tratado, a pessoa perde 1,9 milhão de neurônios. Sinais como fraqueza ou formigamento na face, no braço ou na perna, especialmente em um lado do corpo; confusão, alteração da fala ou compreensão; alteração na visão (em um ou ambos os olhos); alteração do equilíbrio, coordenação, tontura ou alteração no andar; e dor de cabeça súbita, intensa, sem causa aparente, são alertas e o SAMU (192), deve ser imediatamente acionado", explica Sheila Martins. 
   
 Em nota, a neurologista ressalta que quanto mais rápido o atendimento, menores são as sequelas, mas também destaca que a desigualdade regional no acesso ao tratamento adequado tem seu impacto. "O Brasil precisa expandir a rede de hospitais preparados para o atendimento rápido ao AVC, com equipes treinadas e protocolos bem definidos. Quando conseguimos aplicar terapias específicas, como a trombólise ou a trombectomia mecânica, o impacto positivo é enorme: os pacientes se recuperam mais rápido, diminuem as sequelas e os custos hospitalares caem drasticamente."
  
 A presidente da Rede Brasil AVC lembra, ainda, que até 80% dos casos podem ser evitados. "O controle da hipertensão, do diabetes e do colesterol, somado a hábitos saudáveis como atividade física regular, alimentação equilibrada e abandono do tabagismo, reduz significativamente a incidência do AVC", conclui.