Agência Senado
São Paulo, 01/10/2025 - Em fevereiro de 2003, entrava no ar, pela primeira vez, a novela das oito da Rede Globo, Mulheres Apaixonadas, mais uma crônica das ‘Helenas’ de Manoel Carlos. Na Câmara dos Deputados tramitava, no mesmo período, um projeto de lei (PL) do deputado federal Paulo Paim (PT-RS), que unificava marcos normativos em prol dos direitos das pessoas idosas.
“O Estatuto é uma construção coletiva de organizações da sociedade civil, juízes, advogados da área da previdência, mas foi a novela da Globo que fomentou a discussão popular, gerou um clamor forte da população brasileira pela aprovação da lei”, relembra o hoje senador Paulo Paim, em entrevista ao Viva.
De março a julho daquele ano, a proposta encarou várias idas ao plenário da Câmara, mas sem votação definitiva. Foi somente em agosto de 2003 que o PL foi aprovado e encaminhado para o Senado em regime de urgência, resultado da pressão popular inusitada, efeito de uma trama secundária da telenovela.
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O casal, interpretado por Carmen Silva e Oswaldo Louzada, sofria abusos e violências cometidos pela neta. A cena provocou uma comoção nacional que impulsionou a análise do Congresso e eventual promulgação do Estatuto, no dia 1º de outubro de 2003, data em que se celebra o Dia Nacional e Internacional da Pessoa Idosa.
Passados 22 anos deste marco histórico para a legislação brasileira, o Estatuto carece de atualizações que traduzam o que é ser mais velho hoje no País. Segundo a gerontóloga Sandra Regina Gomes, ex-coordenadora de Políticas Públicas para Pessoas Idosas na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, a lei nacional precisa se adaptar à diversidade dos arranjos familiares, aos padrões de cuidado e à violência digital.
“Existe uma necessidade urgente de revisão e organização do Estatuto da Pessoa Idosa, para serem dispostos na lei a questão do idadismo, preconceito relacionado à idade, da diversidade da população mais velha, que é composta por pessoas negras, deficientes, LGBTQIAPN+, além de se atentar ao acesso ao mundo digital.”
Gomes, que também foi coordenadora-geral dos Direitos do Idoso da Secretaria dos Direitos Humanos, do Governo Federal, além de integrar o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), destaca a necessidade da legislação incluir cuidados de longa permanência. “Já temos na lei brasileira uma rede articulada de apoio às famílias, principalmente aos cuidadores, que são, na maioria das vezes, mulheres, pobres e negras. Mas precisamos integrar esses dispositivos no Estatuto, para fortalecê-lo”, defende.
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Essa opinião é compartilhada pela advogada especialista em direito da pessoa idosa, sócia fundadora da RD Longevidade – Consultoria em Gerontologia e doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF, Rose Ferreira Ribeiro. “Novas políticas foram surgindo que dialogam com essa população, como a Política Nacional de Cuidados, mas essa lei não modificou o artigo do Estatuto”, complementa.
A Política Nacional de Cuidados, sancionada em dezembro do ano passado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, condensa políticas de atenção a quem cuida e quem é cuidado, incluindo pessoas idosas em situação de vulnerabilidade.
Para ambas, as Instituições de Longa Permanência (ILPIs), locais de acolhimento gratuito de pessoas idosas, que oferecem cuidado e proteção em tempo integral, e a Política Nacional precisam ser contempladas pelo Estatuto. “Estamos lidando hoje com casos de queda da própria altura, que são, sobretudo, um problema de saúde pública, e condensar essas leis que já existem no Estatuto poderia ampliar o acesso aos direitos”, aponta Ferreira.
Além disso, a advogada reforça a necessidade da lei abraçar tanto pessoas idosas ativas, quanto pessoas idosas que demandam cuidado. “Precisamos aumentar o número de postos de trabalhos para as pessoas com mais de 60 anos, mas também mapear a renda, quantas possuem rede de apoio, à quantidade de vagas que o sistema público oferece nas ILPIs, preservar a autonomia dos mais velhos.”
Sinais de pedestre de curta duração que dificultam a travessia de pessoas com dificuldade na mobilidade. Carência em letramento digital que dá escopo para golpes, fraudes e fake news. Falta de acesso à moradia digna que resulta em situações de abandono e aumento da população de rua 60+. Todas essas são questões latentes da sociedade que dependem de um olhar para modificar o Estatuto.
“O Estatuto quase não menciona a acessibilidade, essa é uma fragilidade que já constatamos. Por outro lado, a população idosa não quer mais saber de ficar morando na casa do filho quando envelhecem, elas querem ter autonomia e moradia digna. Na Espanha isso já é realidade, os mais velhos recebem suporte para caminhar, fazer compras, carregam pulseiras que sinalizam se sofrerem alguma queda e cozinham sua própria refeição”, expõe Gomes.
Em 2003, a população idosa no Brasil era de 16,9 milhões – hoje esse número quase duplicou, alcançando 32,1 milhões em 2022, de acordo com o censo demográfico mais recente do IBGE. A estimativa do instituto é que, em 2070, os 60+ representem 37,8% da população brasileira. De acordo com o Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Alexandre da Silva, o futuro dos brasileiros é “envelhecer ou morrer precocemente”.
“Se estão jogando nossa velhice nas ruas e isso não mexe com as pessoas como deveria, a ponto de ter um rearranjo das instituições na garantia de mais direitos, é porque a gente ainda não consegue colocar a dimensão e a importância que é falar da velhice. A velhice pode ser, e já temos registros disso, a fase mais longa da vida de uma pessoa.”
O secretário concorda que o Estatuto precisa de atualizações, mas destacou o compromisso da pasta em promover mudanças. “Um dos eixos do nosso plano nacional diz respeito à revisão ou à atualização dos marcos normativos. Esse aumento da longevidade, que para nós é uma grande conquista, trouxe também algumas outras prioridades”, sinaliza.
Essa também é a posição defendida por Paulo Paim, que assinou o projeto de lei que instituiu o Estatuto. Segundo o senador, viver bem é um direito inegociável. “O envelhecimento saudável significa manter a autonomia, a qualidade de vida e o bem-estar ao longo dos anos. Cuidar da saúde física, ter uma boa alimentação, praticar exercícios, preservar a saúde mental, fortalecer os vínculos sociais são alguns dos pontos que o Estatuto traz desde 2003 até agora, que precisam ser prioridade na atuação parlamentar”, conclui.
A violência física contra a pessoa idosa, o estelionato e o abandono são violações diretas dos direitos garantidos pelo Estatuto.
Conforme regula o artigo 3, é “obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público garantir, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária para as pessoas com 60 anos ou mais”.
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Caso testemunhe alguma violação desses direitos, procure registrar a queixa na delegacia da pessoa idosa mais próxima, nos canais do Ministério Público ou faça uma denúncia anônima no Disque 100.
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