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São Paulo, 27/11/2025 - Nesta quinta-feira, que marca o Dia Nacional de Combate ao Câncer, o ministro da Saúde Alexandre Padilha participou da abertura do Seminário Controle do Câncer no século XXI, promovido pela Fiocruz em parceria com o INCA, e reforçou que a desigualdade no acesso às tecnologias inovadoras é um dos maiores entraves no tratamento da doença no País.
"O impacto epidemiológico do câncer não é mais uma questão dos países desenvolvidos do Hemisfério Norte, como foi colocado no imaginário das pessoas ao longo do século XX. Mesmo os países em desenvolvimento sofrem da gravidade do câncer", afirmou.
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Padilha disse ainda que "isso amplia ainda mais a desigualdade no acesso entre os países que detêm o acesso às tecnologias e aqueles que só têm capacidade de consumi-las, em especial nações extremamente desiguais, como é o Brasil" e ponderou que "há necessidade de aumentar as capacidades nacionais e regionais de produção de tecnologias e de garantia de acesso".
O acesso a tratamentos inovadores é, de fato, um dos entraves que costumam ser citados por especialistas da área. O médico Jayr Schmidt Filho, líder do Centro de Referência em Neoplasias Hematológicas do A.C. Camargo Cancer Center, destacou em entrevista ao VIVA que "no tratamento oncológico existe um abismo entre a realidade do público e do privado".
"É um problema mundial, marcado por uma toxicidade financeira. Existem medicamentos muito bons para tratar as várias formas de câncer, mas muito caros e que impõem dificuldades para chegar no sistema público", afirmou, exemplificando o caso do tratamento com CAR-T, medicamento de terapia avançada que reprograma as células de defesa do organismo para combater o câncer hematológico de forma direcionada, mas que chega a custar R$ 3 milhões por pessoa.
"Muitos vão para a Justiça para solicitar o acesso a esses tratamentos avançados, o que torna a discussão ainda mais hostil. E no meio disso tem os atrasos e a piora no quadro do paciente", completa.
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Mesmo com fatores adversos, melhorias no tratamento do câncer inspiram esperança para os mais de 700 mil afetados por ano pela doença. Segundo o diretor médico da Croma Oncologia, Leandro Veloso, nos últimos anos, vimos a ampliação do acesso a terapias mais modernas, como imunoterapia, terapias alvo e estratégias baseadas em análise molecular, que permitem definir protocolos cada vez mais precisos para cada subtipo tumoral.
"Esses recursos têm proporcionado respostas mais duradouras e tratamentos menos invasivos para diferentes perfis de pacientes. Além disso, o Brasil também avançou no acesso aos protocolos de pesquisa clínica, ampliando a participação de centros nacionais em estudos internacionais e permitindo que mais pacientes tenham contato com terapias inovadoras", afirma.
Outro avanço importante está na organização da jornada do cuidado do paciente, aponta Veloso: modelos coordenados, conduzidos por equipes multidisciplinares com oncologistas, enfermeiras navegadoras, nutricionistas, fisioterapeutas e profissionais de apoio assistencial, integram exames, autorizações e consultas em um fluxo contínuo, reduzindo atrasos e evitando a fragmentação que ainda é comum no sistema.
Ainda assim, os gargalos permanecem, pondera. "Infelizmente, há desigualdade no acesso às inovações, demora na incorporação tecnológica e uma jornada que, em muitos casos, segue lenta e burocrática. Estamos avançando de forma consistente, ampliando possibilidades terapêuticas e construindo caminhos mais rápidos e humanizados, agora é garantir que esses progressos cheguem a todos os pacientes", completa. Conheça a seguir alguns dos avanços mais recentes na área:
Um dos avanços destacados por Padilha no evento de hoje é a ampliação do rastreamento do câncer de colo do útero na rede pública de saúde utilizando o teste de biologia molecular DNA-HPV.
A tecnologia 100% nacional detecta 14 genótipos do papilomavírus humano (HPV), identificando a presença do vírus no organismo antes da ocorrência de lesões ou câncer em estágios iniciais, inclusive em mulheres assintomáticas. A iniciativa começou a ser implantada aos Estados em julho deste ano e deve chegar a todo o território nacional até o final de 2026.
A infecção pelo HPV é a principal causa do câncer do colo do útero, terceiro tipo mais incidente em mulheres, com 17.010 casos novos estimados por ano, no triênio 2023-2025.O teste substitui o exame de Papanicolau, que passará a ser realizado apenas para confirmação de casos em que o teste DNA-HPV der positivo. Por ser mais eficaz, a nova tecnologia permite ampliar os intervalos de rastreamento para até cinco anos, aumentando a eficiência e reduzindo custos.
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No que diz respeito à prevenção, a eficácia da vacinação também foi fortalecida com um estudo da Fiocruz publicado também este ano no periódico The Lancet, mostrando que a vacina contra HPV reduziu em 58% os casos de câncer do colo do útero e em 67% as lesões pré-cancerosas graves em mulheres atendidas entre 2019 e 2023.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela regulamentação do sistema privado de saúde, abriu este mês uma consulta pública para avaliar a possível incorporação de uma nova terapia à lista de coberturas obrigatórias dos planos de saúde. O tratamento é indicado para pacientes adultos com mielofibrose de risco intermediário ou alto e anemia, incluindo mielofibrose primária ou secundária.
A mielofibrose é um tipo raro de câncer hematológico caracterizado pela proliferação anormal de células-tronco na medula óssea. Essas alterações genéticas resultam em uma produção desregulada de células sanguíneas e provocam fibrose na medula óssea, levando à complicações graves, como esplenomegalia (aumento do baço) e anemia.
Além disso, os pacientes frequentemente apresentam sintomas debilitantes, como fadiga intensa, sudorese noturna, dor óssea e alterações no hemograma, que comprometem significativamente sua qualidade de vida. Ela afeta principalmente indivíduos com 65 anos ou mais, sendo que a maioria dos casos são diagnosticados em estágios de risco intermediário ou alto.
Neste contexto, a consulta pública busca avaliar a incorporação do primeiro e único medicamento aprovado no Brasil com indicação específica para tratar pacientes com mielofibrose e anemia, com mecanismo de ação duplo. Além de atuar no controle dos sintomas, o medicamento oferece benefícios significativos na melhora da anemia e na diminuição da necessidade de transfusões sanguíneas.
“A mielofibrose causa grande impacto na vida dos pacientes, principalmente por conta da fadiga e da anemia, que muitas vezes os obrigam a reduzir o trabalho ou até se aposentar mais cedo. Isso traz grande impacto financeiro para seus núcleos familiares. [...] Este novo tratamento é o único disponível no Brasil com dados que mostram melhora da anemia e redução da dependência de transfusões, trazendo mais qualidade de vida e autonomia para os pacientes”, afirma a hematologista Cristiana Solza, professora titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
No que diz respeito ao tratamento de leucemia em crianças e adolescentes, o Brasil também tem hoje "um cenário muito mais positivo", analisa a médica Maria Lucia M. Lee, uma das coordenadoras do grupo brasileiro de tratamento da leucemia infantil da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica. "O SUS oferece praticamente todos os medicamentos essenciais para o tratamento. Isso é um avanço enorme, que garante equidade no acesso e salva vidas todos os dias", pontua.
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Ela pontua que a leucemia representa cerca de 30% de todos os casos de câncer infantil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), sendo a leucemia linfoide aguda a forma mais, responsável por cerca de 80% dos casos. Nesse sentido, ela destaca que o tratamento é complexo e personalizado, envolvendo diversas estratégias que atuam em etapas complementares da doença.
"A quimioterapia permanece como o principal recurso terapêutico, enquanto a radioterapia esté em desuso, ao passo que novas abordagens ampliam as perspectivas de cura, como imunoterapia e terapias-alvo, que atuam especificamente sobre mutações genéticas das células cancerígenas".
Já em adultos, o avanço fica por conta da CAR-T, que pode ser ampliada no SUS a partir de uma iniciativa com a Fiocruz, que desde 2024 vem firmando parcerias para viabilizar a redução de custos na produção do medicamento, mas ainda sem data confirmada para início de fornecimento.
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Ainda na lista de tipos de câncer que afetam crianças e adolescentes, o meduloblastoma emerge como o tumor cerebral maligno mais frequente nessa faixa etária, responsável por cerca de 20% de todos os tumores cerebrais pediátricos. Segundo a Medulloblastoma Initiative (MBI), estima-se que aproximadamente 15 mil crianças sejam diagnosticadas com a doença anualmente em todo o planeta.
A iniciativa brasileira, criada por Fernando Goldsztein, investiu recentemente 11 milhões de dólares (cerca de R$ 58,74 mihões) para custear pesquisas sobre câncer pediátrico e este ano firmou um acordo com o Einsten Hospital Israelita para colaboração científica e participação prioritária em futuros ensaios clínicos.
"O meduloblastoma é um tumor agressivo que se desenvolve no cerebelo, região do cérebro responsável pelo equilíbrio e coordenação motora. Embora seja raro na população geral, é particularmente relevante na oncologia infantil pela sua incidência", explica a médica oncologista pediátrica Andrea Maria Cappellano, especialista em tumores cerebrais do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac).
Uma das principais evoluções no tratamento foi a descoberta de que a doença não é única, mas compreende quatro subgrupos moleculares distintos, que respondem de forma diferente aos tratamentos. "Essa classificação revolucionou nossa abordagem terapêutica, permitindo tratamentos mais precisos e menos tóxicos para cada paciente", destaca Cappellano.
O tratamento padrão atual envolve uma abordagem multidisciplinar que combina cirurgia para remoção máxima segura do tumor, radioterapia cranioespinhal e quimioterapia com regimes baseados em cisplatina, ciclofosfamida e vincristina, com taxas de sobrevida que variam conforme o estágio da doença: de 70% a 80% quando não há disseminação, e cerca de 60% em casos com metástases.
Entre os avanços mais promissores para o futuro estão uma imunoterapia avançada, que já recebeu aprovação da FDA (agência reguladora americana) para iniciar testes clínicos, e uma vacina contra meduloblastoma baseada em RNA mensageiro (mRNA) - tecnologia similar à usada nas vacinas contra COVID-19 -, em fase avançada de desenvolvimento.
"Não é uma questão de 'se', é uma questão de 'quando' encontraremos a cura", afirma Goldsztein, destacando que a iniciativa lançará novos protocolos para o tratamento nos próximos meses.
Outro avanço recente no tratamento de câncer foi a incorporação no SUS da cirurgia robótica em casos clinicamente localizados ou avançados de câncer de próstata. A medida, assinada em setembro, deve começar a valer em março de 2026. Antes, a cirurgia robótica era restrita ao setor privado e não fazia parte da cobertura obrigatória dos planos de saúde - os interessados precisavam arcar com o custo da cirurgia de forma particular ou solicitar o procedimento juridicamente.
Segundo o urologista, e integrante do corpo clínico da Oncomed, Fernando Leão Costa, a indicação da cirurgia depende principalmente das condições clínicas do paciente. “Se o paciente está bem, sem limitações cardíacas ou outras doenças que impeçam a cirurgia, ela pode ser o tratamento de escolha”, explica o médico.
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O equipamento utilizado na operação permite movimentos mais precisos, preservando estruturas importantes responsáveis pela continência urinária e pela função sexual. “A cirurgia robótica trouxe um salto enorme na segurança e na recuperação do paciente. Os riscos de incontinência e impotência sexual são hoje muito menores”, explica o cirurgião.
“O SUS agora tem seis meses para precificar e começar a ofertar essa tecnologia e os convênios têm até 60 dias para incluir o procedimento em seus planos. Esperamos que, até o fim de novembro, os planos privados estejam aptos a oferecer a cirurgia robótica. Isso é uma grande vitória”, completa.
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