Grupos de convivência para pessoas 60+ combatem 'epidemia' de solidão

Bianca Bibiano/Viva

Em Torres (RS), grupo de mulheres ensaia dança flamenca em um dos grupos de convivência da região - Bianca Bibiano/Viva
Em Torres (RS), grupo de mulheres ensaia dança flamenca em um dos grupos de convivência da região
Por Bianca Bibiano bianca.bibiano@viva.com.br

Publicado em 15/09/2025, às 17h25 - Atualizado às 17h26

São Paulo, 15/09/2025 - "Aos 80 anos, eu já perdi marido e filho, mas não perdi a vida". Foi com essa frase que Maria Salete Martins começou a contar à reportagem do Viva os motivos que a levaram a buscar as atividades para a longevidade do Serviço Social do Comércio (SESC) Torres, no litoral norte do Rio Grande do Sul. Entre uma apresentação de ciranda gaúcha e uma de dança flamenca, ela disse, com orgulho, que é a aluna mais velha da turma de danças folclóricas, uma das muitas atividades para o público 60+ oferecidas pela instituição, que atende em diversas regiões do País.
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Maria Salete Martins, 80, exibe movimentos de dança flamenca durante aula no SESC TOrres (RS) - Foto: Bianca Bibiano
Para Maria Salete Martins, assim como para outras mulheres e homens que encontramos que nesse dia, o grupo de convivência para idosos é fonte de saúde para a mente e o corpo. As causas que os levaram ali são diversas: alguns buscavam um alento para a viuvez ou companhia com a saída dos filhos de casa, outros para ressignificar a aposentadoria. Em comum, o medo da solidão na velhice. 
"Cada idoso tem que achar sua forma de vida, mas precisa estar ocupado, tanto a cabeça quanto o corpo", defende Paulo Lanferdini, 64, também aluno da dança folclórica. Ele frequenta o SESC com a esposa desde 2020, em uma rotina de atividades físicas, aulas, excursões e encontros. "Eu tinha medo de aposentar e ficar em casa sozinho vendo TV. Aqui eu tenho vida ativa, faço o que gosto".
O receio de Paulo não é sem causa. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) o isolamento social pode ser considerado uma epidemia que já mata cerca de um milhão de pessoas por ano no mundo, deixando reflexos severos na saúde física e mental de outros milhares, especialmente pessoas acima de 60 anos. Em 2021, a organização colocou o tema dentre os pilares para a década do envelhecimento saudável, ressaltando que é dever da sociedade promover espaços de convivência amigáveis ao envelhecimento (age friendly, no termo em inglês).
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Na contramão da solidão

Segundo Danielle Admoni, psiquiatra especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e supervisora na residência de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM), a participação nesse tipo de grupo é de grande ajuda na prevenção de suicídio e situações como depressão na maturidade. 
"Para manter a saúde mental, a pessoa idosa tem que ter rotina, sair de casa, ver pessoas. Quanto mais sozinha, mais desligada da sociedade e sem referência ela fica. Nós, humanos, somos sociáveis, precisamos de pessoas, conversar, falar, escutar o que pensam de nós. Sem isso, vivenciamos o adoecimento mental."
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Admoni explica que a solidão é um problema em qualquer idade, mas torna-se mais preponderante na maturidade, com a saída do mercado de trabalho e a redução do convívio social. Nessa fase, o grande desafio é evitar o desapego em relação ao restante do mundo, "aquela sensação de que nada te segura aqui", descreve.
Os riscos se traduzem em números: segundo o Atlas da Violência 2025, os casos de suicídios e autonegligência aumentaram 611,6% no Brasil entre 2013 e 2023. Nesse sentido, grupos de convívio tem seu papel preponderante na preservação dos laços sociais, sejam em clubes, igrejas, sinagogas, órgãos públicos ou outros espaços. "Estar com o outro é um ponto de referência", completa.
"Ponto de referência" foi o mesmo termo usado pela aposentada Sueli Prado Pereira, 72, para descrever sua relação e a de outras colegas com os Centros de Saúde e Educação da Terceira Idade (CISEs), oferecidos pela prefeitura de São Caetano do Sul. A cidade é considerada o município com mais de 100 mil habitantes mais longevo do Brasil, um desafio que leva a rede a expandir com certa frequência a oferta de vagas em outras instituições.
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Sueli Prado Pereira (terceira da esquerda para direita) e Mônica Fernandes Schimidt (última à direita) com a professora de pintura em tecido e outras alunas do CISE (SP) - Foto: Bianca Bibiano
A turma da aula de pintura em tecido do CISE é cobiçada. "Muitas vêm de outros pontos da cidade para essa aula, mas a verdade é que também encontramos aqui espaço para conversar e expressar nossos interesses. Aqui só não podemos falar de doença", brinca a aposentada Sueli Prado Pereira, 72.
Recentemente, contam as alunas, a idade mínima para entrar nos grupos foi ampliada, diante da ampla procura, o que as leva a ficar de olho em todas as vagas, ali e em outros espaços de convívio pela cidade. 
Exibindo uma linda pintura de um tucano, Mônica Fernandes Schimidt, 56, conta que chegou ao espaço comunitário buscando atividades físicas após a aposentadoria como professora, mas foi cativada pelas possibilidades de programação diária ligadas a outras áreas. "Eu tinha pavor de ficar em casa sozinha, minhas filhas já estão adultas, não param mais em casa".
Agora, ela faz planos para continuar o estímulo físico e mental, e destaca que a troca com as colegas de turma a estimula a ver o envelhecimento com outros olhos. "A gente pensa que precisa ficar parado depois de aposentar, mas isso só leva ao adoecimento".

Impactos da convivência social no cérebro e no coração

Para além de garantir melhor saúde mental, a convivência social também vem demonstrando ser um dos fatores ligados longevidade. Uma pesquisa da Harvard Medical School, que acompanha há mais de 80 anos a saúde de centenas de pessoas, aponta, por exemplo, que bons relacionamentos são o maior preditor de mais tempo de vida e saúde, acima até de fatores como renda ou colesterol.
Aqui no Brasil, esse aspecto também vem sendo comprovado em uma série de pesquisas lideradas pelo Projeto Veranópolis, no RS, o primeiro a estudar os aspectos que afetam a londevidade no País.
Outros estudos, como o publicado no Journal of the American Heart Association, indicam ainda que pessoas com laços afetivos sólidos apresentam menores níveis de cortisol, o hormônio do estresse, e pressão arterial mais equilibrada. 
Recentemente, outra pesquisa, publicada no The Lancet, incluiu o isolamento social como um dos fatores ligados a 60% dos casos demência no Brasil. Fatores esses que poderiam ser evitados com mudanças de comportamento e apoio da sociedade, apontaram os pesquisadores.
Para entender como isso acontece, o neurocirurgião funcional e pesquisador na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcelo Valadares, diz que é preciso entender o funcionamento do cérebro e como ele responde à solidão. "O cérebro é como uma máquina, uma espécie de computador que reage a estímulos. "Quando você oferece estímula a uma área específica, ela oferece retorno. Áreas não estimuladas, por sua vez, tem menos facilidade de processar informação", explica.
A falta do contato social, mais comum em idosos, faz com que diversas áreas sejam menos estimuladas, e isso traz consequências para as pessoas".
Quando há fatores genéticos associados, como no caso da demência, essas consequências podem ser mais significativas. "O isolamento social pode acelerar o processo de uma doença que, em condições diferentes, chegaria apenas mais adiante, por exemplo". 
Nesse sentido, ele explica que quando falamos de doença neurológica, é precisa observar a reserva cognitiva. "Uma pessoa que sempre exercitou o cérebro, musica, memoria, literatura, raciocínio, musica, profissionalmente ou não, o cérebro tem melhor reserva cognitiva. Essas pessoas levam mais tempo para manifestar doença neurológica". Mas ao isolar-se, isso pode ser afetado.
"O ser humano foi planejado para ser social, não isolado, a interação social, ouvir, processar informações, discutir o que se pensa é outra forma de trabalhar a cognição, o raciocínio, a percepção da fala, do tom de voz, são funções diferentes do que pode fazer sozinho, responder uma pergunta, elaborar um comentário, devolver a outros, rir do que os outro falam e fazer projetos em conjunto exerce funções cerebrais específicas."
Valadares diz ainda que a convivência digital não substitui a física, ao menos para o desenvolvimento do cérebro. A rede social beneficia como acesso a informação, se bem usada, mas é limitada no sentido de manutenção cognitiva.
"A rede social é uma forma de absorver informação, mas elas são curtas e não desenvolvidas, com tendência a reforçar um mesmo conteúdo. Se você consome um conteúdo específico, culinária, moda, política, os algoritmos vão te oferecer aquilo o tempo todo; isso limita a capacidade de ter contato com novas coisas, que é importante para o cérebro." 
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Nessa linha, ele também defende os espaços de convivência como ambientes mais estruturados para dar espaço de fala a todos. "Muitos têm moderador, isso permite uma comunicação mais fluida e que desenrole mais, que todos possam interagir de fato. A demência ainda não é reversível, se você está falando de um declínio cognitivo, a convivência consegue ajudar e estimular o cérebro".

Onde encontrar grupos de convivência para idosos

Centros comunitários, unidades de saúde da família, igrejas e Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) são alguns pontos de partida para encontrar um grupo de convivência ou atividade direcionada para pessoas idosas. Em algumas cidades, há também opções oferecidas por universidades, como o programa UniverIdade, da Unicamp, e Universidade da Maturidade (UMA), que começou na Univerdiade Federal do Tocantins, e atualmente atende pessoas em 16 pólos no Brasil e um em Portugal.
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No contexto dos centros urbanos, outra opção é buscar atividades oferecidas por shoppings, como o caso do Projeto Caminhada, do Shopping Iguatemi, em São Paulo, que diariamente recebe mais de 200 pessoas do público 55+ e se tornou uma referência para moradores da região. Ou atividades em arenas esportivas, caso do Allianz Parque, que recebe idosos para ações de saúde e lazer semanalmente, em parceria com a UNIP.

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