Anvisa emitiu mais de 90 mil autorizações para cannabis medicinal em 2025

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O óleo é uma das principais formas de acesso à cannabis medicinal no Brasil, com mais de 7 mil opções de produtos para importação - Envato
O óleo é uma das principais formas de acesso à cannabis medicinal no Brasil, com mais de 7 mil opções de produtos para importação
Por Bianca Bibiano bianca.bibiano@viva.com.br

Publicado em 20/09/2025, às 09h00

São Paulo, 20/09/2025 - Embora ainda gere muitos questionamentos, o debate sobre o uso da cannabis medicinal parece estar chegando a um novo patamar, impulsionado pelo crescente interesse de novos pacientes.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu 90.314 autorizações para importação de produtos à base de cannabis entre janeiro e junho de 2025, crescimento de 19% na comparação com as 75.852 emissões do mesmo período do ano passado.
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Os dados fazem parte de um levantamento realizado pela empresa Cannect com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação e indicam que o mês de maio de 2025 registrou o maior volume de autorizações para um único mês: 17.156, superando o recorde anterior registrado em julho de 2024 (16.241).
Para Allan Paiotti, CEO da Cannect, os números mostram que o mercado de cannabis medicinal no Brasil vive um momento de expansão acelerada. "O aumento da demanda reflete a busca de pacientes por alternativas terapêuticas seguras, eficazes e com respaldo científico", afirmou em entrevista ao Viva.

Perfil dos pacientes mostra adesão de pessoas idosas

Nessa procura, destacam-se especialmente pacientes mulheres (53% da demanda) e pessoas na faixa dos 35 a 45 anos, conforme pesquisa feita pela consultoria Kaya Mind em 2024. A análise ressalta, contudo, que o grupo de pessoas mais velhas tem se destacado no consumo:
"As faixas que apresentam maior representação relativa em comparação com a pirâmide etária brasileira são as das pessoas entre 85 e 99 anos, únicas com mais do que o triplo de representatividade na cannabis do que na população do País", diz o relatório.
"Em 2019, logo após a aprovação da importação pela Anvisa, vivenciamos um momento no qual a procura vinha especialmente de entusiastas no tema. Hoje, vemos um movimento mais amplo, em que os pacientes estão considerando a cannabis medicianal como uma opção de tratamento de saúde como qualquer outra", explica Paiotti.

O que diz a legislação sobre o acesso à cannabis medicinal

O sistema atual de acesso à cannabis medicinal se ampara em duas regulamentações federais: a RDC 327/2019, que estabeleceu as regras para concessão de autorização sanitária para produção e comercialização de produtos de cannabis, e a RDC nº 660/2022, que simplifica e automatiza a importação. Apenas produtos sem efeitos psicoativos podem ser comercializados e sempre com indicação médica.
Para adquirir legalmente um óleo à base de cannabis para tratar epilepsia, por exemplo, o paciente precisa de receita especial, que será retida na aquisição do medicamento. A importação é o meio mais comum de acesso, mas é preciso se submeter a uma autorização da Anvisa. O processo envolve o envio de documentos pessoais, comprovante de residência, autorização e prescrição.
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Com a prescrição e a autorização em mãos, o paciente precisa contratar uma empresa que faça um serviço de entrega expressa. Segundo o levantamento da Kaya Mind, em 2024 foram identificadas 926 empresas do tipo no País, sendo que 33% delas detinham 80% das importações no período analisado.
Algumas empresas oferecem a possibilidade de atuar por procuração, dispensando o paciente de tratar diretamente com o órgão regulador. Por constar na categoria de medicamento, a importação não tem impostos adicionais e o custo mensal de um tratamento é de cerca de R$ 250. A vantagem, segundo Paiotti, é que nesse sistema os médicos conseguem prescrever uma variedade mais ampla de medicamentos de acordo com o quadro de cada paciente, dentro de um rol de mais de 7 mil opções.
Outra possibilidade é adquirir na farmácia, porém, esse meio é mais restrito tanto em acesso como em opções de produto. Segundo o relatório da Kaya Mind, entre 2019 e 2024 foram solicitados 169 pedidos de autorização sanitária da Anvisa, que permitem que esses produtos sejam comercializados nesses estabelecimentos. Nesse segmento, os medicamentos são mais caros devido a custos de armazenamento e tributação e chegam a custar R$ 2.500, a depender da indicação.
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Ainda nessa frente, o País ganhará este mês a primeira farmácia especializada com pronta entrega, que fica em Curitiba (PR) e vai oferecer apenas produtos com CBD, o canabidiol, composto da planta cannabis sativa que não provoca efeitos psicoativos, permitidos dentro da RDC 327/2019. 
Tarsila Tomaz Lins Couto, farmacêutica da Cannabis Company, diz que a opção é cada vez mais reconhecido pela ciência e pela comunidade médica como um aliado no tratamento de diversas condições de saúde. “Os usos mais tradicionais da cannabis medicinal incluem o manejo da dor crônica, aquela associada à artrite, fibromialgia e dor neuropática, além de auxiliar no tratamento de epilepsia, esclerose múltipla e no controle de náuseas e vômitos".
"A substância também tem sido explorada no cuidado de doenças neurológicas como Alzheimer, Parkinson e Síndrome de Tourette, e mostra potencial no tratamento de ansiedade, depressão e distúrbios do sono, contribuindo para uma melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes”. 
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Para quem vai comprar o produto com entrega em casa, também é importante se atentar a lei postal nº 6.538/1978, que proíbe o transporte de qualquer substância vetada no País. Assim, o envio por Sedex ou outros serviços postais pode resultar na retenção pela Anvisa ou Receita Federal, com apreensão do produto e notificação ao remetente. Em alguns casos, isso pode configurar infração sanitária, mesmo com prescrição médica.

Tem cannabis medicinal no SUS?

No Sistema Único de Saúde (SUS), por sua vez, o tratamento também é indicado desde 2019, mas apenas em casos específicos, como epilepsia refratária em crianças e adolescentes, esclerose múltipla, doença de Parkinson e transtorno do espectro autista.
Em agosto, a cidade de São Paulo anunciou que vai ampliar a indicação de uso de canabidiol para 31 doenças. Os produtos com a substância serão destinados como tratamento adjuvante a pacientes com quadros graves e que não respondem bem a outros tratamentos.
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Formação de médicos prescritores também cresce

Além da facilitação na importação desses produtos e ampliação do acesso ao SUS, um dos grandes impulsionadores da expansão no acesso terapêutico à cannabis medicinal é a formação de médicos prescritores. De acordo com o HCX, braço educacional do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), as novas evidências sobre o uso no tratamento de doenças levaram a instituição a investir na qualificação dos profissionais de saúde, com o lançamento de um novo curso de atualização em formato EAD.
Segundo o neurologista Renato Anghinah, professor livre docente da FMUSP e coordenador do curso de Medicina Canabinoide do HCX, a formação é a primeira a ser conduzida totalmente por um grupo médico e tem como objetivo atualizar os conhecimentos sobre a medicina canabinoide e seus diversos usos terapêuticos.
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Destinado a profissionais médicos, acadêmicos de medicina, dentistas e biomédicos com habilitação em acupuntura, o curso explica desde as espécies de plantas que originam os compostos encontrados no uso terapêutico, passando pelas bases fisiológicas e farmacológicas do sistema endocanabinoide, até os diferentes produtos existentes no mercado e sua real indicação em relação à medicina atual. 
Segundo o Anghinah, existem 144 substâncias na flor da cannabis, mas as duas mais conhecidas são o CBD e o THC. De acordo com o neurologista, hoje o canabidiol pode ser utilizado em diversas situações incluindo a epilepsia, dores neuropáticas ou dor crônica, transtornos de ansiedade e depressão, transtorno do espectro autista e doenças neurodegenerativas, trazendo uma sensação de bem-estar ao paciente, apesar de não evitar a progressão dessas doenças. 
Anghinah ressalta que a função do curso é também esclarecer e isolar a tentação de achar que a cannabis serve para todas as doenças. “Somente a educação segura e sólida para o médico irá permitir que a cannabis tenha o lugar importante que deve ter dentro da medicina, mas o profissional não pode achar que a cannabis é uma panaceia, que serve para todas as coisas”, completa o médico.
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Para além do âmbito acadêmico, o setor privado também está de olho na formação. A Cannet, citada no início do texto, diz que também investe nesse ramo, criando protocolos para o atendimento de cannabis medicinal com outras substâncias usadas em diferentes tratamentos e prevê lançar um novo protocolo ainda este ano para tratamento de obesidade. 
Investidores estrangeiros veem no Brasil uma possiblidade de mercado. Ano passado, por exemplo, o grupo americano FarmaUSA lançou uma formação online gratuita para médicos. Já para este semestre, a biofarmacêutica canadense Thronus Medical, que atua com uso de nanotecnologia aplicada à cannabis medicinal, organizou um tour de eventos presenciais em quatro Estados, todos voltados à atualização médica. O próximo será em Belo Horizonte (MG), seguido de Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS).
“O número de profissionais que prescrevem esse produto é baixo, especialmente se levarmos em conta as evidências do uso de canabinoides nos tratamentos oncológicos, de ansiedade e sono ou no campo da dor crônica e esclerose múltipla, para ficar entre as aplicações mais comuns”, explica Mariana Maciel, diretora médica geral da Thronus Medical.

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